[wlm_register_Passatempos]
Siga-nos
Topo

Homens (tóxicos), expliquem-me isto, por favor!

A sério. Expliquem-me lá, com toda a vossa masculinidade arrebatadora, expliquem-me como é que a nossa sociedade funciona. Já que gostam tanto de meter o nariz onde não são chamados… ou as mãos onde não pretendemos.

Então, qual de vocês “machos” se chegará à frente para me explicar? Prometo que vos oiço. Aliás, quero mesmo ouvir. Quero muito prestar atenção a todas as barbaridades que sairão dessas bocas, todas as desculpas esfarrapadas. Toda a raiva e nervosismo nesses olhos.

Mas afinal, o que é que eu tanto quero que me expliquem? Dou-vos uns minutos para pensar. Já chega. Vocês sabem, sabem-no tão bem. Mesmo assim, continuem comigo, por favor.

Vá, eu quero que me expliquem a vossa raiva. Não estou a brincar, deitem tudo cá para fora, expliquem-me. Essa vossa raiva que se traduz numa violência descomunal, que invoca a Morte a qualquer mulher que cruze o vosso caminho arrogante. É que é assim, isso é de uma anormalidade abismal. Chorem se o vosso interior precisar, mas contem-me o porquê deste “feminicídio”.

Quando era mais nova e inocente, desprezava o meu sexo, cheguei mesmo a odiá-lo e a desejar ser o oposto. Quero o maior, pensava eu. O mais forte. O poderoso. Estava tão enganada, tudo isso estava lá, bastava olhar-me ao espelho. Sou uma mulher, caraças. Sou quem dá a vida. Sou importante. Mas nunca fui visível como tal, não é? Vamos analisar uma situação, sim? Assim de repente, estava serena, em pleno verão, a ler a minha querida Woolf e a sentir o calor magnífico daquela tarde, até que dois machos meteram na cabeça que seria genial meterem-se comigo. Mantive-me atenta às letras no papel, ignorando os comentários inéditos daquelas pobres almas «Estás aqui sozinha? Está um dia tão bonito, devias estar com o teu namorado ou com as tuas amigas… o que é que estás a ler? És demasiado bonita para estares sem companhia.». Deu para entender, espero. Aqueles risos entre frases, repugnantes e famintos, assombram-me até hoje. Acho que nunca tive tanto medo. Cheguei a sentir aqueles comentários nos ossos durante uns longos dias, e ver aquele banco onde me encontrava também não é coisa fácil. Ah, o poder da intimidação e do medo. Tão bom.

É ao medo que quero chegar. O controlo. Aquele vírus que ficará para sempre num canto obscuro do nosso cérebro a relembrar-nos do perigo que é andar à noite sozinha, ou com uma saia curta, ou com uma bebida na mão. Aí está, a culpa não é nossa, nunca será. Nós não estamos “a pedi-las”. Não, não estamos, nós não pedimos absolutamente nada da vossa parte. Provavelmente até pedimos que parassem, e vocês? Ouviram? Quiseram minimamente saber? Não. Porque as vossas necessidades são a prioridade, e não conseguem conter essa fome, esse desejo profundo de dominar. Com isto, para controlar alguém, assim pelo menos, só com medo. E vocês, homens, quase que nascem com esse instinto de causar o pânico e o terror em nós. No entanto, tenho claramente que dizer que nem todo o homem é assim. Admito isso com a maior das felicidades, e fico grata por saber disso. Mas não estaria a escrever isto se fosse direcionado a vocês, exceções amigas. Gosto mesmo muito de vocês.

Homens, querem explicar-me as violações que acontecem por minuto no mundo inteiro? O assédio diário? A violência? Expliquem-me, sejam honestos, julgar-vos-ei depois. Vamos falar do casamento, vocês chamam tradicional, eu chamo inapropriado e uma extrema falta de respeito. Não digo isto porque me apetece “ser diferente”, analisem comigo e arranjem coragem para me dizer que está correto. É um desafio que vos lanço, homens e mulheres desta sociedade. Se concordam que o marido deve controlar a vida social, o corpo, o dinheiro, se concordam que ele controle a mulher, inteira e sem escrúpulos, expliquem-me porquê e fundamentem com argumentos válidos, com ou sem religião. Vamos mais longe, acham ético, raparigas menores casarem com homens adultos nos seus cinquentas? É que sejamos realistas, isso acontece, podem preferir fechar os olhos mas que está lá, está. Não vos incomoda?

Vivemos numa sociedade patriarcal, não discordem que não vale a pena. E eu ando a questionar esta ideia de poder e supremacia do sexo masculino. Eu acredito vivamente que, com todo o nosso histórico, o sexo feminino nunca irá obter a visibilidade que tanto ansiamos, mas lutaremos sempre. Queremos a igualdade, queremos acabar com esta ilusão que é ter um sexo superior – e não me venham com as típicas frases «o homem é mais forte biologicamente» «a mulher não tem as mesmas capacidades do homem» e mais mil e uma tretas machistas. Não me venham com machismo, por favor. Nem eu pretendo ir ao extremo e dizer “Ah não, a mulher é que devia governar” ou “Homens, tudo para a guilhotina”, não sou assim. Ninguém deve ser assim… por muito que eu entenda, é errado e cruel. Mas, sinceramente, não é essa a mentalidade dos homens quando nos matam aos milhares? Pensem um pouco. Pensem nas mulheres assediadas, violadas, espancadas, assassinadas. Pensem profundamente nessas quatro palavras e apliquem-nas a mulheres de todas as idades possíveis. Não vos é repulsivo? Se não é, devia. Severamente.

E se isso não bastava, falemos dos cabeçalhos dos noticiários ao abordarem esses atos fatais (que muitas vezes nem o fazem, com sorte ainda aparecem se for um homicídio ou um espancamento brutal, enfim, os média.). Vamos analisar uns excertos de umas notícias, pode ser?

1. “Mulher morta com tiro de colega de trabalho em Oeiras. Alegado homicida está em estado grave”

Uma mulher com 40 anos morreu na tarde desta terça-feira na sequência de um tiro disparado por um colega de trabalho junto ao Millenium BCP, em Oeiras. O corpo da vítima mortal foi encontrado no interior de uma viatura, sendo que o alegado homicida tentou o suicídio logo de seguida. O suspeito tinha uma obsessão pela mulher e já perseguia a vítima.

via Observador

2. “Corpo de mulher encontrado em mala de viagem num carro em Arruda dos Vinhos”

A Polícia Judiciária deteve um homem de 38 anos como sendo o suspeito do homicídio de uma mulher, cujo cadáver foi encontrado dentro de uma mala numa rua em Arruda dos Vinhos. Segundo o comunicado daquela polícia, o suspeito foi encontrado numa zona de vegetação para onde teria fugido.

A PJ, que trabalhou em colaboração com a GNR, explica que o suspeito de homicídio era companheiro da vítima, de 30 anos, e que ambos tinham arrendado um quarto naquela zona.

(combinação de duas notícias separadas, com o seguimento da mesma história)

via Observador

Duas notícias, as duas com um grau de violência exuberante, as duas com alvo na mulher, as duas a demonstrarem a monstruosidade causada pela sociedade patriarcal. Tudo isso em comum e mais. O que me incomoda, mesmo, são os títulos das notícias. Estranho, não é? O que é que têm os títulos, pensam vocês. Os títulos é que captam a atenção do leitor, e estes apresentam a mulher como um objeto partido e não o homem como quem o partiu. Passo a explicar, na primeira notícia (a que me choca mais em termos de falha no jornalismo e na sensibilidade) diz que a mulher foi morta a tiro por um colega, e que esse colega está em estado grave. Ainda estão comigo? Ótimo. A mulher alvejada foi descartada completamente, foi uma bela abertura de notícia, sim senhor, um cadáver de uma mulher entusiasma qualquer um, qualquer homem. Eis como eu reescreveria esse título – Homem que perseguia colega matou-a ao não receber a reciprocidade desejada. – Aí têm. E, desculpem lá se vos ofendo, quero lá saber se está em estado grave. Arrependeu-se assim tanto? Que assumisse a responsabilidade, que assumisse a morte da mulher, da sua obsessão. Achou-se imponente, mas, na verdade, é apenas mais um cobarde atrás de uma arma. A segunda notícia é bárbara, é, e ao fazer a pesquisa para escrever este texto tive de ler várias partes dela (daí ter juntado o título da notícia original e o corpo do seu seguimento e suposta conclusão). E aqui está como eu a reescreveria – Homem mata companheira e enfia-a numa mala de viagem. É um pouco diferente, não acham? Não concordam que assim o lado do assassino tem mais atenção? Os seus atos de puro ódio em alerta sem vitimizar. Larguem as mulheres. Parem de as usar para a vossa benesse. Não defendam a violência. Parem. Estamos fartas.

Ser mulher nos dias de hoje é assustador. É uma realidade que mete medo. Eu própria tenho medo. Admito. Mesmo com grandes mulheres na chefia, heroínas do quotidiano que se expressam e vivem a sua vida entregando a alma e a mente à sociedade, acabamos por viver nesta cúpula masculina que nos atormenta e que retira a liberdade que tanto lutámos para obter. Qualquer uma de nós que já tenha experienciado qualquer tipo de assédio – sejam piropos, toques inapropriados, perseguições, violência, violações, tortura, morte – sabemos esse sentimento que nos arrefece o corpo e que nos faz tremer de pânico, que nos deixa sem forças. E mulheres que nunca tiveram este azar na vida, não pensem que lá por nunca vos ter calhado um anormal destes, não quer dizer que não seja uma realidade vivida por milhares de outras mulheres.

Não tenho medo do vosso sexo, não. Tenho medo da vossa essência masculina e tóxica. Dessa raiva e desse controlo. Desse desejo ignóbil que é dominar-nos. Que é exterminar-nos. Que raio de objetivo. Mas já não se pode dizer nada, certo, rapazes? Sou mulher, tenho de estar no meu lugar. Não posso expressar-me, de forma alguma. Pois bem, controlem-me agora. Experimentem. Interiorizem cada palavra deste texto. Memorizem cada uma das vossas vítimas, tenho a certeza que vos irão assombrar durante uns bons tempos. Olhem ao espelho e, em vez de se acharem os maiores, perguntem porque é que são como são. Desafiem-se para mudar. Em nome da sociedade, agradecíamos que fizessem isso.

Homens, expliquem-me isto, por favor.

Catarina Mendes

17 anos

Leitora da LuxWOMAN

Siga-a no Instagram: @_catarinaabreu_

Veja mais em Pessoas

PUB