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Masoquismo emocional e a tragicomédia de gostar de quem não gosta de nós

Quando se trata de sentimentos de amor e atracção nem tudo é voluntário. Além disso, as “hormonas do amor” podem aparecer nos momentos mais inoportunos.

De facto, nem tudo são rosas, e aparentemente há mais culpados. Bem me quer, mal me quer: a dúvida, por incrível que pareça, aumenta o interesse de muitas mulheres na hora de eleger um “alvo amoroso” e hoje vamos tentar perceber porquê.

Quanto menos atenção me dá, mais me atrai”. Não seria um exagero se eu dissesse que todas as semanas recebo pelo menos um par de e-mails semelhantes, em que as leitoras me perguntam o que podem fazer ao notar o desinteresse do outro.

Mas afinal, porque há tantas pessoas apaixonadas pelo desinteresse ou qual a razão do nosso masoquismo emocional?

Para começar a analisar estes “casos” é preciso entender como é que se constrói o teatro (tragicómico) do desaire afectivo. O facto é que ninguém nasce com um manual de como se relacionar, porém, ao longo da sua trajectória de vida, aprende um conjunto de regras, que por sinal são péssimas regras.

Não existe escola, mas os professores estão em todos os lugares Do seu pai e mãe, até ao seu tio ou tia com umas ideias e atitudes estranhas, passando pelos filmes, novelas, livros, músicas, em todo o lugar.

Em todos os lugares existem sinais, referências, às vezes claras, outras vezes mais subtis.

Imagine que você, leitora ou leitor, passou a vida toda a absorver ideias de como é que é relacionar-se, e na maioria das vezes essas ideias são um tanto ou quanto machistas e arrevesadas. Não é à toa que os produtos focados nas mulheres replicam a ideia do casamento, do conto de fadas, da doação completa à relação, da dependência afectiva, do amor como desafio, dificuldade, requerente de auto-sacrifício e abnegação, tal como não é por acaso que os homens são exaltados em diversas áreas, basicamente, pela péssima forma como tratam as mulheres. Em toda uma pedagogia afectiva atravancada de fingir desinteresse, fazer jogos emocionais, motivar na mulher a vontade de “lutar” por ele, da indecisão, do não compromisso, da confusão e hesitação como instrumentos de se eximir das responsabilidades numa relação.

Esse teatro tragicómico do desaire amoroso pode levar muitas mulheres a terem reais dificuldades em lidar com relações tranquilas, pois foram ensinadas que o “normal” é o caos, a imprevisibilidade, o desastre e que isso seria o “amor a sério”.

A forma como esse desinteresse ou mesmo indiferença se manifesta pode variar, mas ao longo do tempo eu começo a perceber que, independentemente das histórias, tudo faz parte de uma desdita desgraceira, desaustinado desaire afectivo, onde a conta nunca fecha, para ninguém, embora as mulheres sofram mais com isso e certamente estejam mais conscientes desse desastre.

Algumas de vós já perceberam que por vezes sentem atracção por pessoas abusivas, manipuladoras, tóxicas, não já? Atracção sexual, mesmo.

Muitas vezes, algumas das minhas pacientes (mulheres, mas homens também) relatam-me que até queriam ter um relacionamento mais saudável, envolver-se com umas pessoas mais “decentes”, porém, não sentiam atracção física pelas pessoas mais estáveis e saudáveis. Parecia que eram tomados por uma excitação avassaladora por gente problemática, inclusive psicopatas e personalidades narcísicas e borderline manipuladores.

Porque será que existe uma espécie de atracção magnética por alguns tipos de personalidade? Especificamente, e segundo percebemos, as personalidades dependentes <=> narcísicas?

Muitos autores renomados da Psicologia defendem que esta é uma atracção baseada em trauma, oriunda do nosso primeiro exemplo de amor que muitas vezes deixou um registo psicológico e fisiológico de abandono, desigualdade, rejeição, humilhação, punição e indisponibilidade afectiva. É como se nós tirássemos uma foto da forma como nos costumávamos sentir com os nossos cuidadores principais (os que, para dizer o mínimo, podem não ter sido lá muito empáticos…). E o que é que nós tendemos a fazer com isso? Click!

Procuramos pessoas com as quais sentimos “aquela” coisa familiar.

Esse sentimento de amor interrompido é vivido pela primeira vez na relação com os pais. A primeira desilusão amorosa e dor sentimental ficam registadas no inconsciente. A psique esfrega as mãos e pensa “eh la, eu estou a sentir nesta pessoa a mesma indisponibilidade afectiva ou o abandono ou a rejeição ou a punição que eu sentia com os meus cuidadores. Isso deve ser amor!”. O corpo, neste processo, fica num “xitex” tremendo, mesmo que a mente (porém, nem sempre) grite “não, isso é tóxico”.

Há algumas coisas em jogo durante este processo, de entre as quais se destacam o seguinte:

  1. Aprendemos a associar amor com indisponibilidade e distanciamento afectivo, ao invés de presença e disponibilidade. Assim, quando alguém se mostra indisponível activa-se uma estranha mas “confortável” sensação de familiaridade em relação àquilo que conhecemos como “amor”;
  2. Enquanto humanos, temos tendência para repetir compulsivamente os mesmos padrões que se encaixam nos nossos “moldes”, nas feridas emocionais que trazemos desde a infância, numa tentativa de finalmente obtermos o que não tivemos através de alguém “semelhante” às nossas primeiras referências de afecto;
  3. Durante a infância, se fizéssemos certas coisas e agíssemos de determinadas maneiras, aí seríamos “aprovados” e receberíamos atenção. Isto estabelece a crença de que se tem que “lutar” pelo amor, uma vez que este foi experienciado como algo escasso, que não foi oferecido livremente. Por conta disso, talvez tenha crescido com o sentimento de que não é “boa o suficiente” e precisou fazer-se “melhor” para aí já ser merecedora de receber amor.

Quando alguém é afectivamente indisponível ou não nos “escolhe” tal desengatilha o padrão de que “tenho de me esforçar mais” na expectativa de que se o fizer, aí sim, estará em condições de finalmente ser considerada “boa o suficiente” e receber o amor que tanto procura. Fixar-se neste perfil de pessoa emocionalmente distante e indisponível é uma manifestação deste padrão em acção.

Começa-se a criar uma relação baseada na expectativa ou na fantasia do que essa pessoa poderia ser para nós, e não uma relação assente na pessoa real (e no que, de facto, ela demonstra). É uma conexão imaginária.

Tal como na infância ou adolescência, você provavelmente cresceu a sentir-se isolada, sozinha, tendo a necessidade de criar mundos fantasiosos na maior parte do tempo como contraponto ao mundo real. Na fantasia da sua criança interna, essa pessoa detém a chave para que você seja vista, ouvida, valorizada e amada. Mas isso não é real.

Assim, projecta sobre essa pessoa uma necessidade não atendida lá atrás, construindo devaneios quotidianos em como ela é que será capaz de suprir as suas carências afectivas por abastecer. É o vazio emocional e o buraco interno das feridas da sua criança interior que gritam lancinantemente para finalmente serem preenchidos, trazendo a cura que tanto procuram.

Isto é, claro, impossível de ser feito. Pelo menos, através “desse” perfil de pessoa e “dessa” forma de busca. E não é pelo “simples” motivo do objecto do seu ”amor” ser emocionalmente indisponível. Está a buscar a cura nos lugares errados.

Por outro lado, quando notamos alguém que nos ama, aquele sinal de alerta inconsciente também dispara: “cuidado, vais-te magoar, não te prendas a ninguém!”.

Esse temor de viver uma história concreta e não idealizada de amor congela-nos a alma, pois confere-nos responsabilidade (“tu tornas-te eternamente responsável por aquele que cativas”) e esse sentimento apavora-nos. O de não sermos “bons o suficiente” para preencher o amor dos outros. Diante do amor alheio, a nossa criança ferida recua e teme viver uma intimidade (geralmente, e nestes casos, numa associação criada entre relacionamentos íntimos e abuso/negligência), o apego e a possibilidade do fracasso, rejeição e (novamente) abandono.

Pelo contrário, ser amado confere-me uma responsabilidade para com o sentimento alheio para o qual talvez não me sinta preparada(o). A realidade é sempre bastante desconfortável se comparada com a idealização.

Nessa hora até pode surgir o nosso sentimento de desprezo pelo outro, achamos as demonstrações de afecto da pessoa tontas e melosas. O amor dela parece-nos tolo e infantil e assumimos a posição dos nossos pais que – frigoríficos da ressonância emocional – nos proibiram o amor. Tornamo-nos emocionalmente indisponíveis para pessoas boas e disponíveis, que realmente queriam namorar e relacionar-se de forma saudável e segura.

Este sentimento de anseio por uma pessoa indisponível pode tornar-se aditivo e poderá aprisionar-nos por anos a fio, a menos que façamos algum trabalho terapêutico para quebrar este ciclo.

Esta busca por “preenchimento” e plenitude através do outro terá se ser encontrado através de si mesma(o). E esta é a boa notícia. E porquê? Ora, porque a(o) capacita, porque a(o) liberta a si própria(o) para o fazer, sem depender dos terceiros (indisponíveis) a quem largou esse poder.

O facto é que esta é uma situação mais do que comum. Ainda que, como podemos supor, acontece mais com uns do que com outros: Há estudos que destacam que é na primeira infância que se estruturam as formas e maneiras de aprender a cobrir essas necessidades e as frustrações em relação às necessidades emocionais. Desse modo, é mais provável que pessoas que não tenham tido atendidas as suas necessidades de afecto, segurança e valorização na sua infância, sejam mais propensas a buscar e permanecer em relações adultas tóxicas ou insatisfatórias.

Nestes casos, sentimo-nos mais confortáveis com parceiro(a)s que nos dão migalhas de afecto, e isso vem de uma anterior experiência de não nos termos sentido vista(o)s, ouvida(o)s ou aceites frente aos primeiros modelos de amor. Buscamos pessoas desinteressadas da nossa experiência emocional e que tendem a ser absortos nelas mesmas. Outras “variações sobre o tema” podem incluir a atracção por pessoas que, aos nossos olhos, precisam ser “salvas” ou “reabilitadas”, para as quais “temos” de ser uma “mãe/pai”, por exemplo.

A negligência, o destrato, a hipercrítica, o menosprezo, a superprotecção são muitas vezes confundidos com amor. E a verdade é que o amor como o aprendemos, frequentemente, aparece infectado com uma ideia, que é esta: o amor é difícil.

Amores fluentes e tranquilos parecem uma farsa que só uma sociedade traumatizada pelas relações precárias seria capaz de inventar. O desprezo como amor, a dificuldade como convite à insistência.

O amor verdadeiro só é compatível com interesse e coerência, e não com domínio e manipulação. Precisamos reaprender a amar.

O facto é que se não há constância nas atitudes de uma pessoa isso deveria ser a bandeira vermelha definitiva para seguirmos outro caminho, mas é a dinâmica do afecto provocado e a inconstância que leva ao gatilho do desafio. Todos nós desejamos ser aceites pelo outro, e é por isso que este gatilho funciona, porque a sua motivação é só mudar a resposta (do outro em relação a si).

Porém, é preciso dizer que o desinteresse por si só raramente vai atrair alguém, que fique claro. O desinteresse só se torna um pseudo encanto quando existe um afecto cultivado inicialmente. A dinâmica é a seguinte: o outro cultiva um certo afecto em si, e dependendo da pessoa, por exemplo, uma pessoa dependente emocionalmente, não é algo que demore ou exija muito esforço, é uma questão de prometer ser “o(a) tal”.

Para sair dessa, é importante que a pessoa faça uma análise de si mesma e descubra qual é o verdadeiro motivo que a faz olhar para alguém que não demonstra interesse. Alimentar uma ilusão só irá trazer, presente e futuramente, sofrimento.

Aquele mito urbano de que há por aí alguém à sua espera de facto existe: essa pessoa é você. E depois disso, só depois disso, eventualmente poderá ser um outro.

Entenda os seus mecanismos e reverta o sentido da sua busca para o desenvolvimento de maior auto-estima, auto-confiança, amor-próprio, indispensáveis para o processo de maturidade emocional, auto-conhecimento e bem-estar pessoal.

Felizmente, muitas mulheres e homens conseguem o apoio para a cura de que precisam e quebram esse padrão doloroso.

Quer saber qual é o melhor investimento que você pode fazer? Invista em conhecimento. O conhecimento vai trazer-lhe inteligência, técnica, habilidade e conexões. Conexões fortes. Inclusive consigo mesma(o).

Já se perguntou “o que me separa daquilo que pretendo?” Já dei por mim a fazer esta questão muitas vezes. Já a escutei na primeira pessoa em vários processos de desenvolvimento pessoal que facilito. Já a coloquei em vários contextos. A tendência é para que a resposta recaia sobre factores externos e venha de um plano cognitivo. Contudo, quando se decompõe a equação que medeia o ponto em que estamos e o ponto em que queremos estar, notamos que o essencial é acreditarmos que é possível alcançarmos a meta desejada. Não só acreditarmos, como acharmos que é merecido. Conseguirmos visualizar-nos já nessa nova realidade.

Se não acreditamos que é possível e merecido, a nossa percepção e interpretação da realidade bem como a nossa acção ficará totalmente condicionada. Tenderemos a confirmar a nossa (des)crença e assim se geram com frequência ciclos viciosos de frustração e insucesso.

Antes de qualquer plano de acção, de estratégias concretas que a(o) coloquem a caminho dos seus desejos, talvez possa auscultar internamente o quanto acredita que merece conquistar aquilo a que se propõe. E se isso estiver realmente alinhado com o que você busca concretizar, então, não receie em alocar as pessoas, os recursos e os conhecimentos que o ajudarão a percorrer o seu caminho de desenvolvimento e que facilitarão o seu progresso aos mais variados níveis. Com isso você deixa de “patinar” na vida e aprende a entrar em acção (que não é o mesmo que estar apenas em movimento) construtiva e eficaz.

Pergunte-se a si mesma(o), recolha a resposta no seu corpo e no seu coração. Invista em si mesmo(a). Invista em conhecimento e em auto-conhecimento. Estou certa que o retorno que você vai ter será imensurável.

Então e como é que viramos a chave e nos desconectamos dessa atracção? Mude o seu perfil. Crie dentro de si um amor-próprio e novos padrões daquilo que você aceita, tendo clareza sobre aquilo que já não aceita mais, abrindo mão daquilo que não está realmente no novo padrão.

Quem buscamos como parceiros são manifestações subconscientes dos nossos relacionamentos infantis com os pais ou principais cuidadores. A mente subconsciente está sempre à procura de padrões familiares para repetir na tentativa de os reparar.

É importante encontrar os seus valores, entender o seu estilo de apego, ganhar consciência do seu sistema nervoso e compreender o seu “Eu” emocional.

Seja compassiva (e crie segurança para) com a sua criança interior. Essa parte que reside dentro de nós precisa aprender que pode agora depender de nós – algo que não poderia fazer com os pais – para finalmente ser amada.

Sara Ferreira

https://www.facebook.com/apsicologasara

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