A mulher que acorda às três da manhã, encharcada em suores, que perde a paciência com os filhos e que já não reconhece o reflexo no espelho, porque o corpo mudou (e não, necessariamente, para melhor), não sabe se o tsunami de informação que a invade é verdadeiro e adequado, ou apenas mais uma moda, que veste o nome de “modulação” e “reposição” hormonal.
Não consigo disfarçar a minha aversão a estes dois conceitos, badalados para lá e para cá, nas redes sociais, qual cura milagrosa dos males da menopausa.
Comecemos pela “modulação hormonal”. A expressão soa bem, vende, e encaixa na perfeição nos discursos das redes sociais, mas, cientificamente, não existe. As hormonas não se “modulam”. São, sem dúvida, impactadas pelo estilo de vida. Sono, exercício físico, alimentação, stress… todos têm o potencial de desafinar a nossa orquestra hormonal, mas nenhum deles, otimizado de forma isolada ou integrada, colmata a falta efetiva de hormonas. Quando existe um défice hormonal sintomático, não há chá, suplemento ou superalimento que resolva. E é simples perceber o porquê. Estradiol, testosterona e progesterona há muito que deixaram de ser apenas “hormonas sexuais”. São reguladores centrais de todos os órgãos e sistemas. Influenciam a densidade óssea, a resposta vascular, a função cognitiva, o metabolismo, a saúde mental… Não são apenas acessórios da libido e dos caracteres sexuais femininos. São peças estruturantes da saúde da mulher.
Dizer a uma mulher, com critérios para terapêutica hormonal, que pode atravessar a menopausa apenas com modulação do seu estilo de vida é o equivalente a condenar a sua saúde global a uma erosão lenta, ignorando as consequências a longo prazo, hoje, bem documentadas na evidência científica.
E o que dizer da recorrente “reposição hormonal”, expressão usada durante décadas e que caiu em desuso por ser considerada medicamente incorreta?
Não estamos a “repor” nada. Hoje, faz-se terapêutica hormonal da menopausa com hormonas estrutural e funcionalmente idênticas às que são produzidas pelo corpo da mulher. Não se trata de substituir ou repor, mas, sim, de reconstruir o equilíbrio hormonal, quando e se este deixou de existir.
Estes conceitos parecem, muitas vezes, detalhes semânticos, mas não são. As palavras moldam perceções e, por consequência, decisões. Falar de reposição é, para muitas, reerguer o mito do cancro da mama – uma sombra deixada por estudos do início dos anos 2000 – hoje, revistos, contextualizados e despidos dos erros que tanto medo difundiram.
A confusão criada por esta linguagem “instagramável” encurrala muitas mulheres entre a ideologia do estilo de vida perfeito e a promessa hormonal que tudo resolve. A realidade, porém, é muito mais complexa. E talvez seja este o verdadeiro desafio da Era Digital: não transformar a menopausa em mais um produto de marketing, mas construir uma conversa séria, acessível e honesta em torno dela. Porque, por trás de conceitos e ideias apelativas, há mulheres reais, com vidas nem sempre facilmente “moduláveis”.
Neste mundo de cultura digital, existe um lado inegavelmente positivo: a menopausa saiu da sombra e está a abrir caminho para um novo tipo de diálogo. Começa, finalmente, a conquistar o tão necessário espaço público. E, se há algo verdadeiramente “instagramável” em tudo isto, é a coragem de se ser autêntica, de se falar sem vergonha nem embaraço, e de se procurar a informação e os cuidados de que se precisa, quando se precisa.
Denise Marques

Médica e fundadora da MERA Clinics, Denise Marques dedica-se à Medicina Funcional, Menopausa e Longevidade. Comprometida com a literacia em saúde, escreve sobre os desafios da menopausa para os tornar mais compreensíveis, práticos e transformadores. É também anfitriã do podcast MENO Talks, um espaço vibrante, inspirador e sem tabus, onde ciência e experiência se encontram para tirar a pausa à menopausa