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Soraia Chaves, a Generala

Tinha apenas 15 anos quando ganhou o concurso Elite Model Look. Fez moda durante 12 anos mas a participação, como protagonista, no filme O Crime do Padre Amaro – um filme realizado por Carlos Coelho da Silva, adaptado da obra homónima de Eça de Queirós, por Vera Sacramento – catapultou-a para a ribalta. ‘Aqui não há quem viva’, uma série da SIC, ‘Call Girl’, um filme realizado em 2007 por António-Pedro Vasconcelos, com o qual ganhou, aliás, um Globo de Ouro, ‘Barcelona, Cidade Neutral’, uma mini-série espanhola, a telenovela ‘Jura’ e o filme A Vida Privada de Salazar, que lhe valeu a distinção com o prémio de Actores de Cinema da Fundação GDA (Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas), juntamente com Virgílio Castelo, foram alguns dos projetos que enriqueceram uma carreira notável.

‘A Bela e o Paparazzo’, um filme onde volta a trabalhar com António-Pedro Vasconcelos, a série Perdidamente Florbela, baseada no filme de Vicente Alves do Ó, onde desempenha o papel de mãe de Florbela Espanca, a co-produção portuguesa e francesa Linhas de Wellington, a novela Dancin’ Days, o filme brasileiro Vermelho Russo, foi filmado na Rússia, o filme ‘Mínimos’, e as produções televisivas ‘3 Mulheres’, ‘Alma e Coração’ e ‘Um Desejo de Natal’, foram alguns dos trabalhos que se seguiram. ‘Generala’ é o seu mais recente projeto, uma série portuguesa produzida pela Coral Europa e exibida pela OPTO desde 24 de novembro, com duração até 25 de dezembro. Da autoria de Patrícia Müller e Vera Sacramento, conta, ainda, com a participações de Carolina Carvalho.

Como define o projeto Generala?

A Generala é uma série de 6 episódios que acompanha a vida de uma pessoa que nunca se identificou com o género com que nasceu, o género feminino. Numa luta contra a opressão da família e da sociedade, parte em busca da sua liberdade e do seu direito à dignidade. No fundo, é uma história de descoberta, de sobrevivência e luta contra o preconceito.

Quais foram os principais desafios deste projeto?

O maior desafio foi, claramente, a transformação física e comportamental que o papel exigia. Trata-se de uma pessoa que, tendo nascido com o sexo feminino, sempre se sentiu homem. Na sua luta pela liberdade, acaba por se transformar no homem que desejava ser. Assume a identidade de um homem e movimenta-se em sociedade como um homem. Foi imprescindível conhecer, a nível psicólogo, como isto afeta os transexuais, as pessoas que sentem aforia sexual. Fiz imensa pesquisa, ouvi e vi muitos testemunhos reais para melhor entender este complexo tema. Posteriormente, houve um intenso trabalho de ensaios com o realizador Sérgio Graciano, com o diretor de atores Marco Medeiros e com a minha colega e co-protagonista Carolina Carvalho, no sentido de desconstruirmos os nossos traços femininos e construirmos um comportamento masculino. Fui muito desafiante e fascinante, todo o processo. Um processo muito exigente mas, criativamente, absolutamente fora de série. É com desafios desta dimensão que sinto que posso evoluir, não só enquanto atriz mas enquanto ser humano.

A protagonista é uma mulher de lutas, que contraria os estereótipos da sociedade, que enfrenta os desafios e os obstáculos para lutar pela liberdade. Identifica-se, enquanto pessoa, com as características desta personagem?

As mulheres já travaram muitas lutas para conquistar um papel de igualdade e respeito na sociedade. Infelizmente, ainda muitas lutas continuam por travar; basta olharmos para os números de homicídios contra mulheres que acontecem todos os anos. O machismo e o femicídio existem e isto tem de mudar. Pessoalmente, nunca senti que tivesse de lutar pela minha liberdade, tenho feito o meu trajeto de vida de forma livre. O que senti foi que tive de ser firme perante o preconceito e não renunciar a minha liberdade por causa do julgamento dos outros. Sou o que sou e sou livre para ser como sou. No caso das pessoas transexuais, a luta não é tão simples assim. Continuam a ser uma das partes da nossa sociedade que é mais marginalizada, perseguida, insultada, sendo vistas, pela maioria da sociedade, como aberrações. Isto porquê? Porque vivemos numa sociedade que não aceita a diferença. É extremamente triste ver que o ser humano, afinal, não evoluiu assim tanto. Muitas vezes, nem um posto de trabalho conseguem adquirir e as taxas de crime de ódio são elevadíssimos, a nível global. A luta destas pessoas é, literalmente, uma luta para simplesmente existirem com a mesma dignidade e respeito que qualquer outra pessoa merece. Mas é uma luta que requer muita coragem pois enfrentar diariamente ameaça a sua integridade mental e física.

A série inspira-se em factos. É importante existirem mulheres assim, com esta garra?

Mulheres e homens transexuais que decidem assumir o que são e enfrentar o mundo, com orgulho, são, sem dúvida, uma grande inspiração para tantos outros que continuam escondidos ou privados de viverem felizes com a sua identidade. E são, também, fundamentais para que a sociedade comece a reconhecer o erro que é marginalizar estas pessoas, que não são diferentes de nós. Somos todos humanos e a defesa dos direitos humanos aplica-se da mesma forma a todos! As autoras desta série são duas mulheres, Patricia Müller e Vera Sacramento, e as duas estão de parabéns por trazerem à nossa ficção uma história tão forte quanto complexa e sensível. A SIC e a OPTO também estão de parabéns pela coragem em apostarem em mostrarem aos portugueses esta história. Acredito que são histórias como esta que podem ajudar a mudar mentalidades, que têm o poder de sensibilizar o público para um tema que continua a ser um tema tabu e que não pode ser ignorado.

É uma personagem desafiante? Porquê?

É uma personagem intensa.

Onde foi buscar toda esta intensidade? É difícil manter este registo de intensidade?

Trabalho, trabalho, trabalho. Entrega e confiança na equipa que nos rodeia e a na história que estamos a contar.

 Como foi trabalhar com Carolina Carvalho?

Foi fantástico. As duas representamos a mesma personagem, portanto tivemos de a construir juntas. Todos os ensaios foram feitos em conjunto, o que foi fundamental para a coerência da construção do personagem. A Carolina é uma atriz muito talentosa, com muita garra e generosidade. Sinto que este nosso encontro foi muito feliz e estou orgulhosa do trabalho que construímos juntas.

E com todos os outros atores? Foi uma boa equipa?

Um elenco soberbo. Margarida Marinho, Victoria Guerra foram as atrizes com quem contracenei mais e as duas são magníficas, cada uma à sua maneira, e não esquecendo que um ator nunca trabalha sozinho, as nossas parcerias em cena correram muito bem. Espero que isso passe para o resultado final. Outra atriz fundamental neste projeto foi a Anabela Moreira, que faz a mãe da Maria Luísa/ Otávio Paiva Monteiro e que justifica todo o trajeto de vida dela. Mas o elenco conta com muitos outros atores fantásticos, penso que é um canting muito forte e certo para esta história.

A ficção nacional está a evoluir? Em que sentido?

Cada vez surgem mais séries de ficção nacional e isso faz com que seja permitida essa evolução. Houve uma mudança na forma como o público vê conteúdo de ficção e o sucesso das séries internacionais invadiu a vida das pessoas. Em Portugal, estamos a dar esse passo e a aposta da SIC numa plataforma de streaming é a prova disso mesmo. Queremos e estamos a evoluir. Isto é importante, não só para os que pertencem ao meio, como para os espectadores que querem ver boa ficção em português. Estamos a desbravar caminho e espero que seja um caminho de sucesso, porque há muitas histórias por contar.

Está a gravar uma nova novela da SIC, que estreia em janeiro. O que pode adiantar deste projeto?

De momento não posso adiantar nada. Mais perto da estreia.

Está, também, a gravar o filme Sombras Brancas. Como foi participar neste projeto?

Sombras Brancas é um filme realizado por Fernando Vendrel, que se debruça sobre o livro de José Cardoso Pires, ‘De Profundis, Valsa Lenta’. Este livro foi escrito numa fase de recuperação do autor face a um AVC. É, portanto, um filme que vagueia entra a realidade (de alguém que sofre um acidente destes) e um mundo de ficção e poesia, metafísico. Foi um enorme prazer fazer parte de tão ilustre história e elenco. Espero que todos o possam ver em breve e nas salas de cinema!

Com um caminho longo já percorrido na representação, sente que, de certa forma, já alcançou o que queria ou falta fazer mais? O que está por fazer?

Tudo está ainda por fazer.

O que teria feito de forma diferente, olhando para trás?

Quando algum adolescente me aborda a pedir-me concelhos sobre como se tornar num ator, eu respondo sempre o mesmo: começa por estudar ou junta-te a um grupo de teatro. Julgo que a formação é fundamental. E, se tivesse de mudar alguma coisa, seria isso mesmo: teria adquirido mais experiência antes de me lançar no mundo profissional.

Do futuro, o que espera?

O que se antevê é uma enorme mudança de paradigma, a forma como vamos viver nas próximas décadas vai ser radicalmente diferente do que temos vivido. O que eu espero, pessoalmente, é que exista uma maior consciência global, maior empatia e solidariedade entre os homens e maior respeito pelo planeta em vivemos.

Tem medo do mundo que aí vem? Com todas as características pós-pandemia?

Tudo o que existe sobre o futuro que aí vem são incertezas. Não consigo filosofar sobre o que pode vir a acontecer e, seguramente, também não posso permitir-me paralisar perante medo da incerteza. Como diz a psicanalista Maria Homem “ Viver é reinventar-se”.

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