

Nasceu no Porto, mas foi no Douro onde criou as melhores memórias de infância. Na Quinta da família, Mafalda Bahia Machado passava os verões a “brincar com os filhos dos trabalhadores”. O pai sempre ambicionou que algum dos três filhos continuasse ligado ao negócio dos vinhos e a mais nova veio conceder-lhe esse desejo. “Somos três irmãos, e acho que o meu pai sempre quis que alguém continuasse ligado ao vinho. Não aconteceu com os dois primeiros, mas comigo, acho que nem precisou de tentar”, conta-nos. Apaixonada pelo mundo dos vinhos desde pequena, hoje é enóloga da Quinta do Côtto e Paço de Teixeiró.
A Mafalda Bahia Machado é…
Enóloga e viticultora no Douro. Nasci no Porto, mas sempre tive uma forte ligação ao Douro, tanto pela quinta da minha família quanto pela paixão do meu pai pelo mundo dos vinhos. Sou casada com um americano, que conheci na Nova Zelândia, e consegui convencê-lo a trocar Sonoma pelo Douro. Desde 2010, vivemos permanentemente no Douro, onde criámos os nossos dois filhos. Sou apaixonada pela região e acredito que, para o Douro, é fundamental que os profissionais do setor vivam aqui. Apesar da pressão da família e amigos para morar no Porto e ter de me deslocar diariamente, foi absolutamente consensual que a nossa vida deveria ser no Douro. A região precisa de cabeças pensantes e de pessoas que vivam o seu quotidiano para promover o seu desenvolvimento.
Quando é que se começou a apaixonar pelo mundo dos vinhos?
Comecei a apaixonar-me pelo mundo dos vinhos ainda muito pequena. Somos três irmãos, e acho que o meu pai sempre quis que alguém continuasse ligado ao vinho. Não aconteceu com os dois primeiros, mas comigo, acho que nem precisou de tentar. Sempre o ajudei em todas as vindimas, e as melhores memórias da minha infância foram passadas no Douro. Naquela época, havia mais crianças e mais gente envolvida na cultura da vinha, e, portanto, os meus verões eram passados a brincar com os filhos dos trabalhadores da quinta. No secundário, já tinha a certeza de que era isso que queria seguir. A minha ligação à terra e à natureza era mais forte do que à própria enologia, por isso decidi estudar Engenharia Agronómica. Mais tarde, especializei-me com um mestrado e pós-graduação em enologia. Hoje, não consigo dissociar um campo do outro e, na minha opinião, nem faz sentido haver uma separação total.
Sou apaixonada pela região e acredito que, para o Douro, é fundamental que os profissionais do setor vivam aqui.
Como foi o seu percurso profissional?
Estudei Ciências da Engenharia-ramo Engenharia Agronómica, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Logo de seguida, concluí o mestrado e pós-graduação na mesma área. Fiz a minha tese de mestrado na empresa Fladgate Partnership, onde também fiz dois estágios de vindima. Naquela altura, fui tentada a ficar em Portugal, mas achava que ainda não era o momento certo e que experiências profissionais no exterior seriam importantes para o meu percurso. Por isso, durante dois anos, vivi em três países diferentes: Nova Zelândia (Blenheim), Estados Unidos (Califórnia) e Austrália (Margaret River), onde fiz estágios de vindima como enóloga assistente.
Porque é que regressou a Portugal?
Após estas experiências, decidi que era hora de voltar a Portugal e encontrar um desafio mais permanente. Candidatei-me a um estágio de vindima na Niepoort e, durante o estágio, acabei por receber uma proposta da Montez Champalimaud para a enologia e viticultura da Quinta do Côtto. Tinha apenas 25 anos quando tive de assumir a responsabilidade total da quinta. Não foi fácil, tive muitas noites mal dormidas, muito stress, mas foi uma oportunidade única que me moldou enquanto profissional e me deu muita experiência para o futuro. Mal eu sabia o que o futuro me reservava.
Seguiram-se 7 anos na Barão de Vilar, onde tive a honra de aprender e trabalhar também com Vinho do Porto. Algumas oportunidades iam surgindo e também tive uma experiência na Quinta Nova.

Mafalda Bahia Machado
Quando começou a trabalhar na WineStone?
Estou desde janeiro de 2024, a tempo integral a trabalhar no grupo, embora desde abril de 2023 estivesse a prestar consultadoria à Quinta do Côtto e Paço de Teixeiró.
Na WineStone, acabei por regressar a um lugar que conheço muito bem e onde me sinto em casa. Com a aquisição da Quinta do Côtto, do Paço de Teixeiró e da Quinta do Retiro, surge uma oportunidade única de participar na revitalização de projetos pelos quais sempre tive um enorme carinho e uma ligação muito especial. Estes projetos, com imenso potencial, estavam adormecidos, e agora, fazendo parte de um grupo com grande energia e potencial, vão atravessar uma nova era de sucesso. Cabe-me a mim também contribuir e construir esse trajeto. Sempre tive a sorte de sentir que podia decidir o rumo da minha vida profissional e não poderia estar mais agradecida por me incluírem neste projeto.
Sempre o ajudei em todas as vindimas, e as melhores memórias da minha infância foram passadas no Douro.
Enquanto enóloga, que responsabilidades tem? No que consiste o seu trabalho?
Como enóloga da WineStone, sou responsável pelas operações, viticultura e enologia. A minha função abrange tanto a parte técnica como a gestão de equipas e recursos. Especificamente, sou responsável por todo o processo de produção de vinhos, desde a viticultura até à vinificação, estágio e engarrafamento. Sou responsável pela gestão diária das operações, e coordenação das equipas de campo e adega.
Tenho o privilégio de contar com o apoio do administrador Vasco Rosa Santos e do grande mestre e Chairman Winemaker da WineStone, David Baverstock.
Para si, o que faz um bom vinho?
O conceito de bom vinho é, obviamente, muito subjetivo. Para mim, um bom vinho deve ser capaz de me transportar para o local onde foi produzido, contar uma história e proporcionar prazer ao ser bebido. Isso depende muito do contexto em que é apreciado: a companhia, o ambiente e os pratos com que é harmonizado. Um bom vinho deve ter a capacidade de evocar emoções, refletir a essência do terroir e criar uma experiência memorável.
Sempre tive a sorte de sentir que podia decidir o rumo da minha vida profissional e não poderia estar mais agradecida por me incluírem neste projeto.
Enquanto mulher, sente que alguma vez a trataram de forma diferente nesta área profissional?
Comecei muito jovem numa posição de liderança, e aconteceu algumas vezes, no início de reuniões, enquanto ainda não me conheciam perguntarem: “A Engenheira Mafalda não vem?”. Era algo que na altura me incomodava e que agora me dá vontade de rir, sentia que tinha de ser mais séria para me levarem a sério. E logo eu que só estou bem rodeada de boa disposição!
Enfrentei também algumas situações em que fui testada por pessoas que acreditavam que o meu limite seria mais baixo por ser jovem e mulher. No entanto, com o tempo e a experiência, sinto que isso já não é um tema. O setor agora conta com várias mulheres, algumas das quais abriram caminho de maneira marcante, facilitando a entrada de outras que vieram depois. Hoje, o respeito e a valorização do meu trabalho prevalecem, independentemente do meu género.
Para mim, um bom vinho deve ser capaz de me transportar para o local onde foi produzido, contar uma história e proporcionar prazer ao ser bebido.

Mafalda Bahia Machado
Portugal oferece qualidade a baixo preço?
Infelizmente, sim. Portugal oferece imensa qualidade e diversidade, mas apesar dos altos custos de produção, especialmente no Douro, os vinhos portugueses ainda são vendidos na sua generalidade a preços demasiado baixos. Lembro-me claramente da primeira vez que o meu marido entrou num supermercado em Portugal e ficou perdido e chocado no corredor dos vinhos com os preços, tirando inclusivamente fotografias para enviar aos amigos. O choque foi ainda maior quando ele percebeu a qualidade geral dos vinhos disponíveis.
Falta-nos a coragem para apresentar os vinhos portugueses como algo verdadeiramente único, que são. Temos todo o potencial para valorizar melhor os nossos produtos e destacar a sua excelência no mercado global.
Hoje, o respeito e a valorização do meu trabalho prevalecem, independentemente do meu género.
Temos pouca ‘reputação’ no estrangeiro? O que deve ou pode mudar?
Trabalho no setor há 14 anos e testemunhei muitas mudanças significativas. Quando comecei, lá fora, muitas pessoas confundiam os vinhos portugueses com os vinhos espanhóis. Nas prateleiras das lojas, tínhamos pouco destaque, exceto pelo Vinho do Porto, e os vinhos que apareciam eram frequentemente de qualidade inferior. Em 2015, muita coisa mudou quando Portugal foi destaque internacional na capa da Revista Wine Spectator. Esse momento, para mim, marcou um ponto de viragem, e desde então tenho visto uma crescente valorização dos vinhos portugueses.
O turismo também desempenhou um papel crucial ao abrir as portas do país e aumentar o reconhecimento internacional. O mundo está agora de olhos bem abertos para Portugal, mas precisamos de aproveitar esta oportunidade ao máximo. Portugal é um país vitivinícola único, com uma grande diversidade de castas e terroirs e uma qualidade excepcional. Não podemos desperdiçar esse potencial. Devemos procurar os canais adequados a cada vinho, escala em alguns casos e nichos de mercado para outros. Continuar a divulgar os vinhos e encontrar o espaço certo para cada um, sempre destacando a nossa autenticidade e a história única de cada produtor e vinho.