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Você é livre ou só acha que é?

No mês da Liberdade, faço-lhe uma pergunta incómoda: quem tem guiado a sua vida?

Minha querida, não, não me venha com respostas automáticas. Olhe bem para trás. Veja os caminhos que trilhou. E agora responda, sem auto-enganos: foi você quem os escolheu ou simplesmente seguiu as placas que alguém plantou no seu percurso?

Dizem que as mulheres são lobas, são livres. Têm voz, direitos, escolha. Mas liberdade não se mede na superfície. Mede-se no silêncio da mente, no peso que aperta o peito, nos “sim” ditos por medo de dizer “não”.

Ser livre é muito mais do que poder decidir. É saber de onde vêm as decisões que toma.

Sim, existem grades invisíveis. Crescemos a ouvir que temos de ser boas meninas. Boas filhas, boas mães, boas esposas, boas profissionais. Mas quem definiu essa métrica? E, mais importante, quem avalia a nossa pontuação?

A sociedade ensina as mulheres a agradar, a apaziguar, a carregar nos ombros um peso que não pediram. E o pior? Muitas nem percebem que foram treinadas para isso.

Cada vez que você sente culpa por descansar, cada vez que se desculpa por ocupar espaço, cada vez que engole um grito ou esconde uma lágrima para não incomodar, está a reforçar as grades invisíveis que a mantêm presa.

A culpa é uma carrasca implacável. E os homens são livres para explorar, para se aventurarem, para errar. A mulher, quando erra, é julgada. Mas sabe quem é a juíza mais cruel? Ela mesma.

A culpa feminina tem raízes profundas. Culpa por trabalhar demais, culpa por trabalhar de menos. Culpa por não querer filhos, culpa por querer e depois sentir exaustão. Culpa por não ser magra o suficiente, sexy o suficiente, interessante o suficiente.

E se eu lhe dissesse que a culpa é apenas uma coleira emocional? Um dispositivo de controlo, passado de geração em geração, para garantir que a mulher continue onde sempre esteve: a servir o outro antes de se nutrir a si mesma.

Até o nosso corpo… será que nos pertence? Questão espinhosa, eu sei. Mas bem assim, diga-me cá: quem governa o seu corpo?

Desde meninas aprendemos que o nosso corpo não é só nosso. Ele precisa ser “apresentável”, “aceitável”, “desejável”. Regulam o nosso peso, a nossa roupa, a nossa postura. Se mostrarmos demais, somos vulgares. Se mostrarmos de menos, somos puritanas.

A sexualidade feminina é, pois, um território controlado. Querem-na regrada, medida, filtrada pelo olhar masculino. Mas liberdade real inclui o direito de sentir desejo sem pedir licença.

A sua liberdade começa quando percebe que ninguém pode ditar as regras da sua própria pele.

E no campo das relações, até que ponto vive ou não aprisionada? Pergunto-lhe isto pois as mulheres são ensinadas desde há muito a cuidar, a remendar relações, a ser cola emocional de famílias, casamentos e equipas de trabalho. Mas o que acontece quando esse papel nos esgota?

Quantas mulheres permanecem em relações que já não as fazem crescer, apenas porque têm medo de partir? Quantas carregam sozinhas o peso emocional de uma casa, de um casamento, de um emprego?

Liberdade é aprender a colocar limites sem medo de decepcionar. Porque, sim, quem vive para agradar morre sufocada.

O controlo é uma ilusão, sabia? Agora, um pequeno choque de realidade: a sua liberdade só existe quando você deixa que o mundo seja livre.

Se precisa que os outros validem as suas escolhas, não é livre, é refém. Se precisa que tudo corra conforme o planeado para sentir paz, não é livre, é prisioneira da ilusão do controlo.

O mundo gira como bem entende, e a verdadeira liberdade é aprender a dançar ao ritmo dele, sem perder o compasso próprio.

As mulheres passaram séculos a lutar pelo direito de existir plenamente. Mas existe uma derradeira luta que ninguém pode travar por si: a luta contra as suas próprias amarras internas.

O que tem feito pela sua liberdade?

Porque, no final das contas, a pergunta que realmente importa é: serei livre para ser livre?

Mas há uma revolução silenciosa a acontecer na vida e no mundo de muitas mulheres. E essa é a psicoterapia como caminho para a liberdade.

Eu gosto de observar como as pessoas se expressam verbalmente, pois pela palavra consigo entrever a visão de mundo delas. A maneira como relatamos um problema diz muito sobre como o encaramos. Quando alguém diz: “O meu chefe esgotou-me a paciência”, está a colocar-se como um mero peão no jogo. Como se fosse o outro a decidir o que ela deveria sentir.

Se alguém me mantém presa é porque eu concedi a chave da minha liberdade. O sequestrador só me mantém sob domínio porque ele ameaça algo que valorizo – a vida. Mas se eu a entregar, ele não tem poder sobre mim.

Paradoxalmente, quem está disposta a perder tudo ganha qualquer coisa, mas quem não está disposto a perder nada, está submetido a tudo. Quem dá ou deixa de dar o poder sobre si mesmo é sempre você.

Portanto, se acha que “está presa” num emprego ou num relacionamento abusivo é porque não está disposto a enfrentar as coisas de frente. O medo que você carrega fá-la refém, pois no momento em que você se levanta e reivindica a sua liberdade, entregando “de bandeja” o que a pessoa tenta ameaçar – seja o medo de perder o “afecto”, seja algum tipo de “privilégio” utilizado com fins manipulativos – você liberta-se e pode caminhar como quiser.

A psicoterapia é uma viagem ao fundo de nós. Uma viagem que fazemos acompanhadas. Partimos do aqui e agora e andamos por todo o lado. Quando voltamos estamos diferentes, transformadas, maiores.

Libertar-se por dentro não é um acto impulsivo – é um processo. E um dos caminhos mais transformadores para essa revolução interna é a psicoterapia. Não a terapia superficial que apenas ensina a “pensar positivo”, ou feita de generalidades arremessadas pelos sabichões de internet, mas a que vai ao subsolo da psique, onde as amarras invisíveis se escondem.

Porque ser livre não é apenas quebrar correntes externas – é desmontar as prisões internas. São essas que nos fazem repetir relações tóxicas, escolher silêncios onde deveríamos gritar, carregar pesos que não nos pertencem.

A psicoterapia ensina uma mulher a olhar para ela mesma e para os seus padrões como quem desvenda um enigma. Ajuda a identificar o condicionamento aprendido: os papéis herdados, as crenças que soam como verdades absolutas, mas que nunca foram escolhidas por si. Trabalha o processo de individuação – esse mergulho profundo na própria identidade, onde se resgatam as partes rejeitadas, escondidas, reprimidas. Porque não há liberdade sem autenticidade.

E depois vem o corpo. A ciência já mostrou que o trauma não é só um eco no pensamento – ele vive na carne. No aperto do peito, na tensão do maxilar, na contração automática diante do perigo. Terapias baseadas na neurociência e na dimensão somática ajudam a reprogramar o sistema nervoso, a ensinar o corpo que está seguro para sentir, para existir, para ocupar espaço sem medo.

A psicoterapia não oferece atalhos nem promessas vazias. Mas dá-lhe uma bússola para que pare de andar em círculos. Para que, um dia, ao olhar para a mulher refletida no espelho, possa dizer, sem hesitação: “Agora sim. Agora sou livre.”

E porque se ser livre é um bem maior, o que tem feito pela sua liberdade interior?

James Hillman, psicólogo, disse que “As pessoas sofrem por ideias. Conseguindo fazer algumas mudanças nas suas ideias, elas libertam-se.”.

Então, eu volto à pergunta com que iniciei este texto: você é livre ou só acha que é? Acredita que escolhe os seus caminhos, mas será que não anda a caminhar em círculos, refém de padrões invisíveis que repetem a mesma história com novos cenários? A verdadeira liberdade não é fazer o que se quer, mas entender o que dentro de si a faz querer certas coisas. Se sempre tropeça nas mesmas dores, se os seus relacionamentos seguem roteiros familiares de frustração, se o medo da rejeição a mantém onde não quer estar, talvez a sua “liberdade” seja apenas um hábito bem-disfarçado.

A autonomia emocional começa quando ousamos questionar quem, de facto, tem guiado os nossos passos: a nossa consciência ou as nossas feridas.


Sara Ferreira

Email: apsicologasara@gmail.com

Site: www.apsicologasara.com

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