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À conversa sobre o Bullying

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), uma em cada três crianças do mundo, entre os 13 e os 15 anos, é vítima de bullying na escola regularmente. Hoje, dia 20 de outubro, assinala-se o Dia Mundial de Combate ao BullyingDada a importância deste tema, a editora Oficina do Livro juntou-se a Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal, e a Marta Curto, escritora e também ela vítima de bullying, para escreverem “O Bullying termina aqui! O Teu Diário de Superação”.

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Livro “O Bullying termina aqui! O Teu Diário de Superação”

Tendo em conta a informação e as ações que já existem para o combate ao bullying…porque é que ele ainda existe?

Marta Curto: O bullying é uma forma de domínio de uma pessoa sobre a outra. Quando é repetitiva e feita pelos seus pares, torna-se bullying. Acho importante as escolas terem programas anti-bullying, assim como existir mais apoio psicológico aos alunos.

A juventude é um desafio para todos. Sempre foi e sempre será. É uma altura em que percebemos o nosso lugar no mundo, onde pertencemos, quem somos, quem queremos ser. Muitas vezes, isso não vem acompanhado de uma estrutura sólida de autoestima e autoconfiança. Por vezes, algumas crianças e jovens precisam de “pisar” o outro para se sentirem melhor, para sentirem que são valorizados pelos seus pares.

Penso que é preciso existir, e o trabalho da No Bully é incrível, um esforço integral a nível das escolas, jovens, pais e professores. Porque ninguém tem culpa e ao mesmo tempo a situação foi criada (e alimentada) por todos, incluindo os pais do alvo, que muitas vezes o tentam defender tanto que lhe tiram a segurança de se defender sozinho.

Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal: O bullying é um comportamento natural do ser humano, que sempre existiu. Tem várias causas associadas, como a falta de empatia, a vontade de pertencer a um grupo, raiva e medo associados a experiências traumáticas. Existem ainda muitas pessoas adultas e jovens que não sabem lidar com o bullying e que ainda não desenvolveram as competências necessárias para viver pacificamente em comunidade. É preciso muito trabalho neste âmbito, para que a realidade portuguesa mude.

O que é que tem de mudar?

Marta Curto: A responsabilização do outro. A culpa é do bully que não tem educação, da escola que não controla, dos pais que não o ensinam a defender-se, dos colegas que não denunciam, dos professores que não estão atentos. Esta é uma situação criada e alimentada por uma comunidade. Sem público, o bully não faz bullying.

Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal: O nosso objetivo é que o bullying diminua consideravelmente, através da prevenção, e que as situações que vão surgindo sejam imediatamente travadas e resolvidas. Dessa forma, não evoluem para situações de violência mais grave e têm consequências mais leves. Para isso, é necessário, primeiro, que toda a sociedade valorize este problema e se queira mobilizar para o resolver em larga escala. Este trabalho tem vindo a ser feito já há vários anos e ainda deve ser continuado.

É, também, necessária mais educação nesta temática, para pessoas adultas e jovens, para que saibam como prevenir, parar e resolver o bullying. Todas as escolas precisam de ter procedimentos claros para lidar com o bullying, para que as pessoas saibam o que fazer quando tomam conhecimento de um caso, a quem reportar e como irão dar seguimento. Ao mesmo tempo, a forma de resolver estas situações, que atualmente passa, maioritariamente, por repreensões e suspensões (ou outras punições), tem de mudar. Estes métodos são antigos e desatualizados, tendo sido já provado repetidas vezes que não funcionam. São necessários métodos mais modernos, baseados na promoção da empatia e da colaboração, com toda a comunidade escolar envolvida e a contribuir para uma visão conjunta de uma escola sem bullying.

Inês Andrade

Inês Andrade

Por vezes, muitas vítimas de bullying acabam por se fechar na sua própria bolha e não contar aos pais o que se está a passar. Como podem estes ajudar e estar mais atentos? 

Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal: Manter uma comunicação regular e aberta com as crianças e jovens é essencial. Isso começa desde cedo, na forma como os pais e as mães falam com a criança e a ouvem. Se os pais e as mães mostrarem interesse no que as crianças têm para dizer e aceitarem as suas opiniões sem julgamento, estas vão ter mais vontade de partilhar o que se passa na sua vida. Claro que há crianças mais reservadas, cujo espaço deve ser respeitado, para evitar que se sintam pressionadas.

Estar presente e disponível para ajudar é o mais importante. Podem também estar com atenção a comportamentos fora do normal, como alterações do sono, apetite, performance académica, humor e socialização. Simultaneamente, é necessário ter atenção a sinais de que as crianças podem estar a fazer bullying a outras, como maior agressividade e irritabilidade, dificuldade em assumir a responsabilidade pelos seus atos, aversão a pessoas que apresentam características diferentes das suas, tendência para esconder o que fazer nas redes sociais e mostrar grande preocupação com a sua popularidade na escola.

Marta Curto: Eu diria que o diálogo é o mais importante. Mas o diálogo não se cria apenas na adolescência. Esta dinâmica de mútuo respeito e confiança entre pais e filhos não nasce do nada. Deve ser criada ao longo do tempo para poder realmente ser usada nos momentos piores. Também sou mãe e percebo que nem sempre é fácil. Às vezes estamos tão embrulhadas em listas de tarefas que não conseguimos parar e dar tempo de qualidade aos nossos filhos. Mas é isso que vai fazer a diferença. E o tempo não volta atrás. As relações não se constroem de repente.

É preciso gostar muito de alguém e ter completa confiança no amor e no respeito que essa pessoa nos tem, para confessar que estamos a ser humilhados diariamente e que ninguém gosta de nós. Porque é isso que eles sentem. E precisam que, ao ouvir isso, os pais não caiam numa imensa dor e necessidade de querer proteger os seus filhos. Precisam de pais fortes, que os respeitem e lhes digam que eles não são aquilo e que, juntos, vão tratar desse episódio das suas vidas. Eles não são vítimas. E essa parte é muito importante.

Qual é o papel da Associação No Bully Portugal no combate ao Bullying?

Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal: O nosso papel consiste em educar as pessoas adultas e jovens para a importância do combate ao bullying e acerca dos métodos mais eficazes de o resolver. A empatia é uma competência essencial para parar o bullying, seja da parte das pessoas adultas, na sua interação com as crianças e jovens, seja das pessoas que estão envolvidas nas situações de bullying em si. É por isso que chamámos ao nosso programa anti-bullying “Escola com Empatia”, no qual as escolas recebem formação ao longo do ano letivo, para pessoal docente, encarregados/as de educação e estudantes.

As escolas têm de adotar estratégias diferentes? 

Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal: Sim, são necessárias novas estratégias, alternativas às tradicionais. A nossa estratégia passa por ter toda a comunidade ativa no combate ao bullying e, quando é identificado um caso, ser imediatamente reportado a uma equipa especializada de profissionais da escola, que irá dar resposta à situação – a quem chamamos de Facilitadores/as. O primeiro passo desta resposta é ouvir a pessoa alvo do bullying, de forma empática e compreensiva, e perceber que tipo de apoio precisa, pois cada caso é diferente. Se quiser apoio na resolução da situação, o/a Facilitador/a vai reunir as crianças ou jovens envolvidos nesse caso – bullies e outras pessoas que queiram ajudar o alvo – e pedir-lhes ajuda para resolver este problema. As crianças serão tratadas de forma igual, independentemente das suas ações passadas, e serão convidadas a perceber como é estar no lugar do alvo do bullying. Depois, é lhes proposto tomarem ações positivas para que o alvo se passe a sentir bem na escola, tal como convidar para participar num jogo, desejar bom dia ou ajudar com uma disciplina. Como tudo é feito sem acusações ou repreensões, mas sim com empatia e respeito, as crianças tendem a colaborar neste processo e realmente a mudar de atitude!

Quanto ao livro O Bullying termina aqui! O Teu Diário de Superação”, o que é pretendido e como fazê-lo chegar aos mais jovens?

Marta Curto: Que os jovens a partir dos 12 anos resgatem a sua voz, e percebam que não é o bullying que os define. Não é o bully que vai ditar quem eles serão na vida, se vão ou não concretizar os seus sonhos, ser alguém, se vão ser amados e se vão amar, se vão ter amigos e filhos. Através de 19 semanas, com exercícios de escrita quase todos os dias, queremos que o jovem tenha uma maior consciência da situação e de si próprio. E o faça de uma forma lúdica e (mais) leve do que se tivesse de falar sobre o assunto. Penso que é sobretudo indicado para jovens mais tímidos e introvertidos, que não gostam de falar sobre a situação. Porque ali a magia faz-se sem confronto, sem cobranças, só pela escrita.

Inês Andrade, Presidente da Associação No Bully Portugal: Acredito que este diário pode mudar a vida de muitos adolescentes que estejam a passar por bullying, ou que ainda pensam no bullying que lhes fizeram anteriormente. Muitas pessoas fecham-se em si mesmas quando passam por este tipo de desafios e têm dificuldade em expressar-se oralmente, de forma a “descarregar” estes sentimentos e pensamentos mais negativos associados ao bullying. Este diário será um meio novo para se expressarem, através dos exercícios de escrita criativa e de reflexão que propomos. Vai ajudar as pessoas nesta situação a libertar-se dos seus “fantasmas” e a pensar naquilo que desejam e poderão alcançar no futuro e acreditar que há um futuro positivo para elas, ao fundo do túnel!

Marta Curto

Marta Curto

Marta Curto, uma das autoras do livro, foi também ela vítima de bullying e, por isso, escrever este livro não poderia ter feito mais sentido.

O que significou para si escrever este livro?

Faz-me muito sentido criá-lo em parceria com a No Bully. Para mim é mais uma peça do meu puzzle. É uma forma de usar a minha experiência para ajudar outros.

Como foi escrevê-lo? 

A introdução, em que falo mais sobre a minha vida, custou-me um pouco. Fui a sítios onde já não ia há muito tempo, recordar episódios que já não visitava há anos. Mas sentia que era importante, que o jovem precisava de saber que eu falo a sua língua. Que eu sei o que é estar no seu lugar. Ter medo que nos vejam. Não ter amigos. Passar os recreios em solidão. Precisar de coragem para ir para a escola. Eu sei o que é isso. E por isso mesmo o meu exemplo é tão importante. Porque eu concretizei os meus sonhos. Viajei, vivi em três países, sou casada, tenho um filho, fui jornalista durante quase 20 anos, já escrevi vários livros. O bullying não me definiu. Eu é que me defini. E eles podem definir-se.

Sabemos que também foi vítima de bullying. Se lhe tivessem dado um diário destes, o que tinha mudado?

Eu teria sentido que tinha voz. Eu usava muito a escrita naquela altura, mas sobretudo para criar histórias, ou seja, era uma forma de fuga da minha vida.

Este livro pretende dar mais consciência, voz e controlo sobre as suas vidas. Não é uma fuga. Obriga-os a pensar, refletir, escrever sobre isso. E é isso que lhes vai permitir tomar decisões, não serem passivos, mas tornarem-se ativos, agarrarem nas rédeas da sua vida.

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