

Artigo de Opinião de Carla Cunha Coelho
A comemoração do Dia da Mulher, sugere recordações históricas sobre raízes do feminismo e o reconhecimento a todas as Mulheres que deixaram as suas pegadas inspiradoras na forma como se insurgiram socialmente em prol dos valores da liberdade e igualdade entre os géneros, através dos movimentos que deram voz às lutas pelos direitos humanos. Foi na Europa que se deram os primeiros passos, em 1791 através de Gouges, pela sua coragem crítica à declaração dos direitos humanos pela mesma não incluir as mulheres. Ainda na mesma época, Charles Fourier (1772-1837) foi o primeiro a introduzir a palavra feminismo na sua obra “Teoria dos quatro movimentos”, tendo sugerido que a conquista de liberdade para as mulheres impactava o progresso na sociedade. Tal impacto, inscreveu-se a partir da revolução industrial, em que as mulheres começaram a fazer parte da força económica, pelo seu trabalho fabril, que por sua vez veio alterar o sistema de relações sociais e padrões de vida. Estas mudanças, despertaram tensões na esfera da cidadania, e impulsionaram o 1.° movimento feminista, que teve início no fim do Século XIX, através de manifestações apresentadas especialmente pelo movimento sufragista, protagonizado por muitas mulheres que lutaram e reconheciam Emilly Davison uma líder nas lutas pelos direitos, entre eles, o direito ao voto, que ficou consagrado em 1918 no reino unido. Torna-se claro que este movimento deixou o legado do liberalismo e universalismo.
A luta pela solidificação destes valores continuou, seguiu-se nos anos 50 e 60 em vários países do mundo, com o 2.º movimento, pelo feminismo contemporâneo que afirmava a alteridade, através de valores transformadores nas relações sociais, assumindo por base o equilíbrio/paridade entre os géneros. Torna-se indiscutível a presença de Simone Beauvoir pela sua obra “O segundo sexo”, refletindo uma profunda análise sobre o papel da mulher, muito além da determinação e condição biológica da maternidade e do cuidado do lar. “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (Beauvoir. 1949), abrindo caminho para o slogan “o pessoal é político”, assinalando uma forte marca deste movimento a partir dos anos 1960. Beauvoir fazia-se notar pelo seu empenho no movimento de libertação das mulheres em França, que reivindicavam o direito ao aborto. Destas lutas resultaram mudanças socias significativas para a mulher, no que concerne a temáticas como o divórcio, a liberdade sexual e o aborto (Betty Friedman, 1963 e Kate Millet, 1969). O cunho deste movimento assinalou uma grande parte da corrente de pensamento do estruturalismo, que entre outros marcos, contribuiu para a reconfiguração da Mulher como sendo uma construção social, enquanto ser humano como um todo.
À semelhança dos acontecimentos internacionais, em Portugal, desde o século XVI que era manifestada a preocupação pelos direitos humanos, destacam-se algumas personalidades de influência, como Maria de Lourdes Pintasilgo, que foi a primeira mulher a desempenhar a função de primeiro-ministro em Portugal, e olhava para a realidade com o proposito de melhoria do país; Ana Osório que, além de ser escritora infantil manifestando especial interesse pela educação, foi a primeira cronista a expressar-se sobre assuntos sociais, tendo publicado em 1905 “Às Mulheres Portuguesas”, o primeiro manifesto feminista Português. Outros dois nomes de Elite intelectual, são Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete, que abriram caminho às lutas pelos direitos da mulher em votar. Porém, foi após a viragem do sistema político em 1974 que foram banidas as restrições em torno da mulher. Por conseguinte, em 1976 a mulher adquire o direito constitucional ao voto, assim como outros direitos civis, que contribuíram substancialmente para a afirmação e fortalecimento das mulheres para que elas pudessem ter a devida notoriedade, na sua vida, na carreira, na política e na sociedade.
Nos anos 90, o 3.º movimento assumiu uma perspetiva interseccional pela junção das Mulheres de todas as raças na luta contra as injustiças e opressões. Enfatizou a consciencialização de que são as mulheres que definem as suas próprias identidades no sistema de crenças do que é o feminismo.
Cada movimento revestiu-se das suas particularidades, e as mulheres tiveram diferentes lutas, mas houve sempre cruzamentos de ideais defendidos, convergindo sempre com os direitos de liberdade e igualdade. Assim, de forma transversal, ser feminista é ser uma mulher que conquista o direito a viver pelo seu trabalho, pela sua inteligência e pela sua consciência. Não obstante, atualmente, os desafios societais assumem exigências complexas, desafiando cada cidadão a refletir no caminho que ainda há a percorrer, no que diz respeito a determinados fenómenos e à forma comportamental que assistimos diariamente com maior ou menor intensidade para com a mulher. O feminismo mostra-se como um conceito vivo, e faz-se notar através das redes sociais, pelo Ciberfeminismo, que imprime uma nova etapa do pensamento geracional, mais ampla e transversal nas diversas desigualdades, nas suas dimensões estruturais da vida política, assuntos de interesse público, bem como das construções sociais e ideológicas.
Estamos no século XXI e apesar da evolução histórica e social a respeito da Mulher, dos seus direitos e da sua construção social, será que os direitos à liberdade e igualdade de género que foram conquistados e adquiridos através dos Movimentos Feministas são consistentes? São respeitados? As decisões e as escolhas da mulher são devidamente respeitadas? A Mulher exerce com equidade os direitos civis, políticos e sociais, ou seja usufrui do direito à cidadania plena?
Globalmente, ainda existe desrespeito pelos direitos fundamentais da Mulher, com mais expressão nos países Africanos e do Médio Oriente (cig.gov., 2025; HRW, referente a 2024). A Europa é a região do mundo onde os direitos das mulheres conseguiram mais avanços em 2024. Portugal ainda apresenta uma realidade com diferenças sociais, embora as mulheres estejam em vantagem quando falamos de graus académicos elevados, contudo, não se traduz na sua participação a nível do poder e tomada de decisão económica, política e académica, onde são ainda claramente minoritárias . O acesso à empregabilidade ainda reflete tendência para os homens, uma vez que as mulheres têm uma taxa de atividade (55,3%) significativamente inferior à dos homens (63,6%), (cig.gov., 2021 ). Estes são alguns indicadores que espelham ainda o caminho que há a percorrer para chegar à paridade, relativamente à criação de condições.
É importante esta consciencialização por parte de cada uma de nós para continuar a combater fenómenos que afetam negativamente. As marcas das conquistas passadas ainda estão presentes na atualidade e devem ser lembradas por cada uma de nós na continuidade da sua preservação.
Artigo de Opinião de Carla Cunha Coelho