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Filipe Catto: “Sou filho das músicas”

Voz de contratenor, músicas que ficam no ouvido e opiniões bem formadas. Este é o jovem músico brasileiro que tem de conhecer.

Filipe Catto sempre adorou cantar. Cresceu em Porto Alegre, no Brasil, a ouvir o pai tocar em casamentos e batizados, e cedo se juntou a ele. Aos 11 anos, já sonhava ser cantor e aos 22 lançou o primeiro álbum, ‘Fôlego’. Com a música ‘Saga’ tornou-se querido do povo brasileiro e ‘Tomada’ é o título do seu segundo álbum.

Apaixonado por Portugal, Filipe já atuou cá três vezes. E, de cada vez que vem, sente-se mais encorajado e encantado pelo povo português.

No início de março deu três concertos, em Lisboa, Ílhavo e Braga, além de ter participado no desfile de moda da criadora Kolovrat, na última edição da ModaLisboa, e aceitou conversar com a LuxWOMAN. Uma entrevista onde o novo nome da música brasileira se mostra um espírito livre, sem preconceitos ou tabus. E com uma estranha maturidade para alguém que tem apenas 29 anos.

Tem “Fado” tatuado nos dedos. É de destino ou de música?

Representa os dois. De destino, primeiramente, porque é importante ter-se o destino na mão. Eu acho que temos de trabalhar junto com ele. Mas é também de fado, como canção… Eu amo fado de mais!

O que gosta no fado lisboeta?

O facto de se cantar sem microfone, nos bares de Alfama. E aquilo é uma entrega de pessoa para pessoa. É uma tradição que tem de ser preservada. Eu não sou fadista, não tenho a carteirinha para o ser. Mas sinto que esse espírito que existe no fado, no flamengo, na música brasileira, me pertence também. Essa exasperação, essa catarse, o jeito que mexe com a gente… Isso está aqui, nessa mão.

Como é que conheceu o fado?

Quando vim a Portugal em lazer, em 2011. Sempre que estou em Lisboa, onde você me encontra é em Alfama. Gosto de ver os artistas. Eles saem de uma tasca, entram noutra, cantam. Os artistas em Portugal vivem e cantam na cidade. E eu acho isso lindo porque Lisboa é uma cidade rica em boa música. Gostei muito de ouvir fado ao vivo. Quando você vê uma força da natureza na sua frente de uma forma brutalmente humana… é uma experiência maravilhosa. A troca de energia é surreal. Eu tenho muito a aprender com os cantores de Alfama. Porque os artistas da minha geração precisam de estar em contato com as pessoas dessa forma.

Disse no concerto em Ílhavo que a música ‘Adorador’, do novo álbum, era inspirada no fado. Em que sentido?

Ela tem um acabamento mais fadista. No fado, no bolero, na música francesa, existe uma certa estrutura harmónica que é muito recorrente. O que muda é a língua.“ ‘Adorador’ nasceu naturalmente. A letra estava sendo escrita, a melodia desenvolvida e virou isto. Ela tem uma tremenda influência mas não foi minha intenção. O que define o género é a estética e não a canção. A estética é o que você vai vestir. Se você pegar uma música de Amália e colocar uma bateria e um baixo, vai virar uma música de Pop. E imagina Roxane com guitarra portuguesa? Não é um fado mas pode ser.

O público português é muito diferente do brasileiro?

Muito! O povo português entrega-se, é generoso e é extremamente respeitador. Ele sente a canção e faz barulho no fim. O aplauso é onde você sente a ‘porrada’. Porque enquanto você está cantando, as pessoas não vão gritar “Gostoso! Lindo! Canta essa música!” No Brasil é assim. Eles gritam o tempo todo e cantam a música inteira com você. E é legal também.

Gosta de música portuguesa?

Amo! Vi ontem Orquestrada e amo! Eles são incríveis. Gosto de Ana Moura e Amália, óbvio, Dead Combo, António Zambujo. As composições de Deolinda são muito originais. Mostraram-me Sérgio Godinho, que tenho ouvido. É um grande compositor.

Como foi produzir o álbum ‘Tomada’?

Foi uma terapia. Estava num momento em que não queria só escrever músicas, mas também cantar os meus compositores preferidos. Queria entender, com ‘Tomada’, qual era a minha linguagem. Porque apesar de ‘Fôlego’ [primeiro álbum] ser um disco que entrega muita qualidade, remete mais ao que foi feito nos anos 70 do que ao que está a ser feito agora. E tudo bem. Eu poderia ser esse tipo de artista. Mas senti que não era o que eu queria fazer.

‘Tomada’ é mais rock. Foi uma transformação consciente?

Precisava de um trabalho que artisticamente fosse a fogueira em que eu me pudesse jogar e renascer das cinzas. Acho que essa estética do rock ficou mais presente no disco ‘Tomada’ porque precisava de fazer algo que me aproximasse da minha geração. O meu primeiro álbum, ‘Fôlego’, apesar de ser um disco impecável, do qual tenho orgulho, já não é quem eu sou. E hoje olho para ‘Tomada’ e sei que o gravaria de forma completamente diferente. A cada momento você vai querer mudar, e eu acho que a única coisa que temos de fazer enquanto artistas é ser absolutamente fiéis a nós mesmos, porque depois o trabalho vai ficar registado e já não é mais nosso. É do público.

‘Saga’, ‘Roupa do Corpo’ e ‘Adoração’ são as músicas mais conhecidas. Ainda são um orgulho?

Vou cantá-las sempre. As músicas são filhos. Quer dizer, eu é que sou filho delas. Essas músicas representam o meu trabalho. Aos poucos você começa a perceber que tem um repertório. Eu amo a música ‘Saga’ porque ela é um caleidoscópio. Cada vez que a canto, parece que vai adicionando significado. Ela fica mais e mais importante. Sinto-me realizado enquanto compositor porque escrevi essas músicas. Se for para me conhecer como cantor de ‘Saga’, você está conhecendo exatamente quem tem de conhecer.

Já se encontrou como artista?

Encontrei-me, mas o que me define como artista é exatamente a falta de amarras estéticas. Eu sou um intérprete. Eu posso fazer um disco com uma orquestra, com uma banda ou de violão e voz. E vai ser sempre Filipe Catto. Ser um mutante, é onde Ney Matogrosso me influencia mais. Não é na voz, porque deixo-me influenciar por pessoas que são diferentes de mim. Pessoas como o Ney, Bjork e Bowie influenciam-me nessa falta de amarras. As divas estão acima dos géneros.

Os 30 estão a chegar. Acha que vai ser uma mudança?

Estou a achar que vai ser muito divertido ter 30 anos. Porque estamos mais maduros e ao mesmo tempo somos extremamente jovens. Acho que é um momento de individualidade e de realização pessoal. Você não tem família, é mais solto e ao mesmo tempo já é profissionalmente ativo. Então, tem dinheiro e tem uma certa estabilidade. Os 30 é quando você realmente se torna adulto. Eu não me sentia adulto até há pouco tempo atrás. Sentia-me bastante à deriva. Agora, sinto-me preparado para o mundo e acho que isso é uma coisa que vem do desapego. De ter poucas coisas. Mudei-me agora para uma casa e não tenho nada lá. Eu não quero ter coisas. Sinto que a nossa geração precisa de ser fiel. Nós temos novos conceitos do que é o sucesso. Eu nunca toquei no maior teatro do Brasil. Não tenho um público de sete mil pessoas e não acho que seja uma pessoa menos bem-sucedida. Eu sou muito bem-sucedido. O sucesso é relativo. O grande erro das pessoas é achar que o sucesso é um parâmetro visto de fora para dentro, quando na realidade o sucesso é algo que você projeta de si. Se você esta feliz consigo próprio, é um sucesso. É impossível não ser.

Falou de família. Quer constituir família?

Não sei. Agora não é um sonho de vida. Esse é o tipo de coisas que não se planeia, acontece. A vida é uma surpresa. Não digo que não nem que sim. No meu caso, por ser gay, ter uma família é muito mais complicado do que para um casal hétero. Para mim, ter um filho… dá-me preguiça pensar nisso. Vou pensar nisso com 40. Daqui a 10 anos falamos. Mas eu gostava de ter filhos biológicos, em algum momento da vida. Talvez com uma amiga que também quisesse. Acho muito importante que pais com boas cabeças apareçam no mundo para criar crianças com boas cabeças também.

Há planos para novo disco?

Há planos mas não tenho prazos. Não sei quando vou poder fazer. Estou tranquilo, se for lá para a frente, tudo bem. Acho desinteressante pensar para onde vai a carreira. Eu sei que é importante mas ao mesmo tempo estou a achar tão libertador não ter essa preocupação. Estar solto no mundo. Selvagem mesmo.

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