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‘MURAIS’ é o primeiro projeto a solo de Hélio Morais

O primeiro trabalho do músico equilibra melancolia e ritmo, num elogio ao erro e à felicidade da descoberta, bem como aborda a importância da comunicação ou da falta dela.

Esteve inicialmente anunciado para abril de 2020 mas, em virtude da pandemia, foi adiado. Cerca de um ano depois do previsto, “MURAIS”, o primeiro disco a solo do músico de Linda Martini e PAUS, foi editado no passado dia 16 de abril. Hélio Morais, um dos nomes mais promissores do panorama da música pop portuguesa, entrega um trabalho com 10 temas escritos por si, aos quais atribui um significado íntimo, descrevendo-o como um disco de indie pop.

Neste registo, desafia-se a descobrir ferramentas com as quais não costuma trabalhar tão intensamente, como as teclas e a voz. “Murais” tem como tema central, segundo o próprio, a felicidade que existe na descoberta e em abraçar algo que não domina sem receio de errar e, ainda, na comunicação, ou na falta dela nas relações. Com produção de Benke Ferraz, dos Boogarins, este trabalho conta com a participação de vários convidados, como a vocalista dos Rádio Macau, Xana, em “Até amanhã”, o cantor brasileiro Giovani Cidreira, em “Marialva” e Catarina Munhá nos coros de “Outono” e nos violinos em “Catatua” e os músicos Fábio Jevelim e Makoto Yagyu, dos Paus.

A apresentação de “MURAIS” ao vivo está agendada para dia 1 de junho, em Lisboa, no Teatro Maria Matos, dia 4 de junho, em São João da Madeira, na Casa da Criatividade, dia 5 de junho, no Porto, no Hard Club e dia 6, em Coimbra, no Salão Brazil.

Linda Martini, PAUS e vários outros projetos e colaborações. Como é que surge a vontade de ter um espaço próprio?

Surge do acaso. A chegada de um piano, que fez a tour do Sufjan Stevens em 2010, à sala de ensaios de Linda Martini e PAUS, trouxe-me o interesse pelo instrumento. Fui-me dedicando a descobri-lo, muito timidamente, e foi assim que comecei a fazer as primeiras canções sozinho. Sempre gostei de escrever – alimentei um blogue vários anos e acabei por, aqui e ali, ir fazendo uma crónica ou outra – e o piano acabou por me trazer uma forma de estruturar uma base para dizer aquilo que ia guardando cá dentro. Ao fim de algumas canções, a ideia de gravar um disco foi tomando forma, ainda que sem pressão alguma. Aconteceu quando tinha que acontecer.

Como chega à sua própria linguagem? O que nasce primeiro a vontade ou a linguagem?

O piano é um instrumento que não domino da mesma forma que a bateria. Na verdade, está mesmo muito longe disso. Mas também não foi isso que procurei no instrumento. Nunca quis ser o melhor em algo, nem sequer “só” muito bom. O piano é um instrumento e é precisamente sob esse ângulo, de ferramenta, que o abordo. Não pretendo ser pianista, mas sim usar o piano para fazer canções. Isso fez com que procurasse estruturas simples, numa fase inicial. Uma vez encontradas, era tempo de as desconstruir. Foi assim que cheguei ao Benke Ferraz, músico e produtor de Boogarins. Entreguei-lhe as músicas nas mãos, muito despidas (só com voz, teclados, bateria e uns poucos arranjos de sopros) e disse-lhe para lhes fazer o que quisesse. Precisava de encontrar um espaço que não tocasse em alguma das bandas pelas quais as pessoas me conhecem. Não poderia ter feito melhor escolha. O Benke, por ser brasileiro e estar mais afastado da cena indie portuguesa, olhou para as músicas pelo que elas eram e não por serem de um músico com um passado noutras bandas. Quanto ao que nasce primeiro, diria a vontade, como já descrevi.

E surge “MURAIS”? Pode falar-nos um pouco sobre o álbum? Quando e como foi ganhando forma?

Acaba por surgir como uma curiosidade, depois como necessidade de encontrar uma forma de traduzir coisas da minha intimidade e só no final como objeto estético, sendo que a descoberta desse objeto não foi mais do que a procura de um espaço neutro; um espaço novo, para mim, diferente das bandas das quais faço parte. Sobre o disco, diria que são canções simples, na forma, que foram desconstruídas pelo Benke, com o intuito de encontrar um lugar interessante e fresco para ambos. Tentámos encontrar um equilíbrio entre alguma melancolia e um sentido rítmico com balanço. O maior desafio talvez tenha sido a parte rítmica, porque não queria que a bateria roubasse espaço e fosse demasiado afirmativa. Queria que servisse as canções e não que tivesse destaque. O Benke entendeu isso muito bem e fez um trabalho incrível. No final, acaba por ser um disco de indie pop – o que quer que isso seja.

Passa a explorar, também, a voz. O que foi mais desafiante, enquanto intérprete?

O mais desafiante foi mesmo descobrir o meu timbre e onde está a minha zona de conforto. Na verdade, só o consegui descobrir nas últimas duas músicas que fiz para este disco. Mas ainda hoje estou a aprender a lidar com a minha voz e a explorá-la da melhor forma. Hoje em dia já componho a pensar nela, ao passo que neste disco as vozes vinham sempre depois da base instrumental. Acabei por ter que alterar o tom de alguns instrumentais, mas não todos, como teria sido mais confortável. Portanto diria que o mais desafiante é mesmo encontrar o espaço da voz.

No álbum aborda a importância de fazer chegar a mensagem ao seu destinatário. Qual é a mensagem que quer fazer passar?

Se bem me recordo, escrevi isso acerca de ‘Não Sou Pablo, Nada Muda’. Fi-lo por sentir que a falta de comunicação, ou a troca de mensagens pouco claras, nas relações – sejam elas românticas, ou não –, pode ser muito danosa. É importante sabermos o que queremos comunicar e, finalmente, como fazê-lo de forma clara. É muito comum vivermos na expectativa que as outras pessoas vivem na nossa cabeça, mas isso não ajuda em nada na comunicação e acaba por gerar conflitos e tensões. Falando do disco, como um todo, é muito mais acerca de abraçar o erro. Eu gosto de falhar. Se falho é porque me proponho a fazer algo que não domino. Como disse, nunca tive interesse em ser o melhor em algo. Quero é ser feliz. E nada me traz mais felicidade do que a descoberta. Fazer música – passar horas na sala a descobrir sons, acordes, ritmos, formas de misturar tudo -, acaba por ser das poucas coisas na vida que me trazem fluidez. Fluidez, no sentido de o tempo passar sem dar conta disso. Consigo estar horas às voltas de uma MPC a tentar descobrir como se faz determinada ação. Este disco acaba por ser sobre o processo de descoberta, sobre ganhar afeto por coisas pouco polidas, sobre partilha de experiências e sobre aceitar as fragilidades e o ridículo.

Começou por revelar dois singles e recentemente mais um, ‘Até de Manhã’, com a participação de Xana, dos Rádio Macau. Como surgiu esta colaboração?

Já tinha trabalhado com a Xana num concerto para celebrar o 25 de Abril, em 2014, com os Linda Martini. Desde então fomos mantendo contacto, mais ou menos intermitente. Quando escrevi a letra de “Até De Manhã”, quis que fosse um diálogo entre um casal heteronormativo. Mas isso implicaria que tivesse a voz de uma mulher a cantar comigo. Teria que ser uma mulher que admirasse, não só pela voz, mas pelo que inspira. E o nome da Xana surgiu como primeira opção. E fiquei muito contente por ter aceitado. Não conseguiria imaginar a música sem a voz dela. Tive essa perceção na primeira vez que a ensaiámos juntes.

Um single que fala do ‘cliché e do ridículo da violência psicológica no seio das relações amorosas”. De ruído na comunicação e desencontro? Pode dizer-se que este tema também é transversal a todo o álbum? Qual a razão para esta temática?

Nunca lidei bem com a romantização do amor difícil. Para mim, não é nada sobre isso. Claro que amar é difícil. Mas talvez seja difícil porque crescemos com demasiados constructos, e mesmo preconceitos, acerca do nosso papel de género, de classe, de cor de pele. Há muita coisa, do que somos, que está relacionada com construção social. E acabamos por agir, por instinto, da forma que a sociedade espera que ajamos. E é nesse sentido que digo que amar é difícil. Talvez nem seja difícil amar, mas sim encontrar uma forma de amar de forma honesta, generosa, assertiva, respeitosa. Saber expressar e saber ouvir. Entender que não é sobre egos, mas sobre construir junto, sem perder individualidade. Isto é algo que dá trabalho, implica investimento. Mas, mais importante que tudo, não é o mesmo que ser abusivo, manipulador, machista, misógino. Isso é outra coisa. Isso não é amar, é ser narcísico, egoísta, mau. E ainda temos muito que aprender a esse respeito, enquanto sociedade.

Tinha o álbum prestes a ser editado e surge a pandemia. Porque preferiu adiá-lo?

“MURAIS” é um projecto meu, a solo. O facto de ter a sorte de fazer parte de duas bandas que têm tido o privilégio de ser acarinhadas por público, indústria e imprensa, não faz com que um projeto a solo tenha automaticamente o mesmo tratamento. Para todos os efeitos, MURAIS é um projeto novo. Claro que não estou a começar do zero, mas há muito trabalho a desenvolver. E para ser desenvolvido decentemente, implica conseguir juntar uma série de fatores, como haver lojas de discos abertas para os vender, haver concertos para poder promover um disco, haver imprensa disponível para mais do que a “pandemia” e por aí adiante. Foi por isso que preferi, por mais doloroso que tenha sido, adiar o disco.

Entretanto passou um ano. O que andou a fazer durante este tempo?

Enquanto músico, andei a fazer e a gravar música nova com os Linda Martini, tenho andado a compor bastante para MURAIS, fiz uma música (com o Quim Albergaria) para uma campanha da Jameson e tenho feito algumas parcerias com amigos do Brasil. Também estou a produzir o disco do Gui Aly – juntamente com o Miguel Ferrador -, que foi o vencedor do EDP Live Bands de 2020 e tenho continuado a tratar da gestão dos espetáculos da agência que criei com os PAUS – HAUS – e à qual se juntou o meu querido amigo Ricardo Dias, agência essa que marca os concertos dos Capitão Fausto, os próprios PAUS, Fado Bicha, D’ALVA, Criatura, Leo Middea, Catarina Munhá, Chinaskee, Iguana Garcia, Cancro, Evaya, Aurora e Estraca.

O que foi mais difícil neste compasso de espera?

A incerteza. É muito difícil não saber quando é que vou poder exercer a minha profissão novamente, sem constrangimentos. Estudei Engenharia, mas acabei por deixá-la de parte, para me dedicar à música. Dediquei muito a este sonho. E foi sempre por amor. Se fosse pelo dinheiro, teria ficado na Engenharia. A música é sazonal e implica muita autodisciplina financeira, porque normalmente trabalhas pouco no Inverno. Os anos em que a minha conta chegava a zeros no Inverno não estão muito distantes. Por isso é assustador deparar-me com toda esta incerteza, nesta fase da minha carreira. Não vai ser com 41 anos que vou voltar a uma área para a qual estudei, mas que nunca exerci.

Vê, finalmente, o seu trabalho editado. Qual a sua expetativa? Quais as reações que espera ao seu trabalho?

A minha expectativa é a de me poder divertir. Os discos acabam por ser a novidade necessária para se agendar espetáculos. Divirto-me muito nos concertos. Por isso, o meu desejo é que o disco gere interesse nos promotores, para marcarem concertos, e no público para os assistir.

O que podemos esperar do concerto de apresentação?

Vou apresentar-me em palco com o Miguel Ferrador – teclados e samples -, o João Vairinhos – bateria – e o João Cabrita – saxofone. Eu estarei nos teclados e samples, bem como a cantar. Ainda terei mais alguma surpresa. Quanto ao alinhamento, vou tocar o disco na íntegra, mas também algumas músicas novas.

Espero que seja um concerto divertido e cheio de amigues.

Numa altura em que a cultura se vê numa fase tão difícil, como vê o seu futuro na música?

Com preocupação e expectativa. Mas também com algum distanciamento. Há coisas que não dependem de mim. E não posso martirizar-me por elas. A mim, compete-me continuar a fazer música. Se um dia tiver que me afastar da indústria, será com enorme pesar. Mas posso dizer que já tive a sorte de viver – durante largos anos – feliz a fazer música com amigues, a viajar e conhecer pessoas de todo o Mundo, a conviver com tantas e variadas formas de pensar e a desconstruir-me por me ver aos olhos de culturas tão diferentes.

A que projetos se vai dedicar num futuro próximo? Há ideias para um sucessor de “MURAIS”?

Agora estou focado no disco e concertos de apresentação de “MURAIS”. Também já há planos para Linda Martini e PAUS. Quanto a sucessor de “MURAIS”, estou sempre a compor, por isso há-de chegar o dia.

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