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Melhor o inferno conhecido do que o paraíso desconhecido, será?

Vivemos num mundo onde reclamar parece ser o passatempo favorito de muitos. “Ah, a minha ansiedade está a matar-me!” ou “não suporto mais esta depressão!” ou “o meu stress vai acabar por me enlouquecer!”, etc., etc.. Quem nunca?

Frases como estas são repetidas com tanta frequência que parecem ter-se tornado parte do nosso vocabulário diário. Mas pergunto eu: porque será que temos paciência infinita para reclamar, mas não usamos o mesmo empenho para procurar (de preferência, de formas adequadas) soluções para aquilo que dizemos incomodar-nos?

Dedico esta crónica, hoje, àquelas pessoas que não têm paciência para se dedicarem 6 meses que seja à terapia, mas têm paciência para reclamar do mesmo problema durante uma vida toda.

É como se fossem atletas olímpicos da lamentação, que levantam a taça dourada do descontentamento dia após dia, ano após ano. E o mais impressionante? Elas fazem isso com uma dedicação invejável, como se reclamar fosse um hobby prazeroso. Ai, se ao menos canalizassem toda essa energia para algo mais produtivo, talvez descobrissem que a vida pode ser mais do que um eterno chorrilho de queixas.

É tão fácil dizer “quero ser mais feliz”, “quero um relacionamento gratificante”, “quero um trabalho que me realize”. É demasiado simples fazer um pedido ao apagar as velas de aniversário ou perante uma estrela cadente que passe. É facílimo atravessar a vida a repetir sempre o mesmo querer, réveillon após réveillon lançando ao universo a súplica de sempre. Difícil, minhas amigas, é movimentar-se para isso. Parar de aguardar uma surpresa do destino e dar o peito às balas até conseguir.

Vamos lá, sejamos sinceras. A ideia de sentar-se numa cadeira, abrir o coração (e a mente) e enfrentar os próprios demónios pode parecer uma tarefa hercúlea. Mas será que essa dor imediata é realmente pior do que a dor insidiosa que carregamos cronicamente? Será que a ilusão de controlo que sentimos ao evitar o tratamento é mais confortável do que a libertação que a terapia pode proporcionar-nos?

Se a cura é difícil, permanecer na dor é ainda mais. Ou noutras palavras, “o inferno conhecido é preferível ao paraíso desconhecido”…para si também?

Dados de diversas pesquisas nacionais e internacionais mostram que cerca de 50% das pessoas que iniciam a terapia cognitivo-comportamental para transtornos de ansiedade experimentam uma redução significativa nos sintomas dentro de 3 a 4 meses. Outros estudos publicados em destacadas revistas científicas sobre saúde mental revelam que a terapia combinada com medicação tem uma eficácia de cerca de 70% no tratamento da depressão severa. Os números não mentem. Mas ainda assim preferimos o conforto da nossa dor conhecida.

A resistência em procurar ajuda profissional, seja por medo, vergonha ou orgulho, cria uma sensação de falso controlo. Evitamos a dor imediata de encarar os nossos problemas, mas, em troca, prolongamos um sofrimento que se infiltra em todas as áreas da nossa vida. É como se estivéssemos a construir uma fortaleza em torno da nossa dor, sem perceber que essa fortaleza é, na verdade, uma degradante prisão.

E o mais intrigante é que este padrão de comportamento — esse fandango com a dor — consome-nos de uma forma tão insidiosa que mal percebemos o quanto estamos doentes. Ficamos tão acostumados com o desconforto que ele torna-se o nosso novo-velho-estafado normal. E assim, continuamos a reclamar, desperdiçando uma vida inteira, sem nos darmos conta de que estamos apenas a alimentar a nossa própria miséria.

Não existe cura imediata, existe compromisso para passar pelo processo. Estas atitudes de evitamento e resistência face a procurar ajuda profissional quando enfrentamos algum problema de saúde mental parecem que nos “previnem” de sentir dor imediata, dando-nos uma sensação de (falsíssimo) controlo. Mas na verdade elas prolongam a nossa dor a longo prazo porque passamos mais tempo a acumular incómodos e sofrimento ao longo do caminho.

Os processos podem levar o seu tempo, e apressá-los é inútil. Tentar acelerar as coisas é como colher uma fruta verde: amarga e sem sabor. Nós somos essa fruta, impacientes com o nosso próprio amadurecimento. A cura, muitas vezes, é um processo lento, gentil e delicado. Apressá-la é tão absurdo quanto esperar que um osso partido se regenere em minutos ou que o seu cabelo cresça à velocidade da sua impaciência. Simplesmente, não vai acontecer.

É preciso enfrentar a caminhada pelo deserto. Até porque atravessá-lo é a única maneira de sair dele, ou como diz a expressão anglo-saxónica (de que particularmente gosto muito) “the only way out is through”.

Que limites coloca quando percebe que o seu estado emocional está negativo? Que acções ou atitudes mais propícias à manutenção da sua saúde emocional implementa sempre que sente que o seu equilíbrio pessoal está em risco?

A mentalidade “excessivamente” positiva, sem passar pelo deserto, é falsa e temporária (excepto para aqueles que vivem numa constante “positividade” artificial ou têm problemas com empatia, em que a negação é apenas uma outra forma).

A boa notícia é que os desertos também serão abandonados. Podemos ficar presos no medo, na raiva ou na negação, mas a maioria das pessoas – quando (e se) ultrapassa estas fases – mais cedo ou mais tarde, consegue superar a tristeza que pode vir com isso.

No dia de hoje, a minha pergunta para si é esta: como é que as suas escolhas diárias estão a promover ou a fragilizar a sua saúde mental?

Já reparou que passamos a vida em busca de respostas rápidas (e de preferência “mágicas”), sendo que, muitas vezes, isso retira o nosso poder (vulgo, auto-responsabilidade) sobre as nossas próprias questões mentais e emocionais?

Conhece a sua mente quando ela não “funciona” bem?

Quando uma pessoa sabe como a sua mente funciona quando não está bem, ela pode prevenir-se, saber quando está a chegar ao seu limite, quando deve pedir ajuda. Você reconhece-se quando não está bem?

Tentar apressar a nossa cura é pura perda de tempo. A verdadeira recuperação pede-nos um processo orgânico e compassivo, onde cada camada de dor deve ser sentida e compreendida no seu devido momento. Tal como uma ferida física precisa de cuidados específicos e tempo para cicatrizar, os nossos traumas emocionais exigem atenção delicada, diligente e paciente. Forçar esse processo só fará com que os sentimentos e as experiências reprimidas ressurjam de forma mais intensa e incontrolável no futuro. A cura genuína ocorre quando integramos gradualmente as experiências dolorosas, aprendendo e crescendo com elas. Viver é isto. Qualquer outra coisa é apenas sobreviver.

Então, aqui está o desafio: vamos quebrar essa narrativa. Vamos parar de perpetuar a ideia de que enfrentar a dor da terapia é pior do que viver uma vida de sofrimento constante. Alguns meses ou mesmo alguns anos de compromisso podem parecer uma eternidade, mas o alívio que costumam vir durante e depois vale cada segundo. O tempo, de qualquer das formas, passa na mesma. Enquanto isso, o que fará nesse tempo? Irá fortalecer-se ou debilitar-se? A cura não é imediata, mas a jornada vale bem a pena.

A verdade é que embora a terapia possa ser, por vezes, dolorosa e exigente, o sofrimento contínuo sem tratamento é um fardo muito maior e mais duradouro. Investir tempo e esforço na terapia é um compromisso com a própria saúde e bem-estar a longo prazo.

Ou seja, a dor enfrentada na terapia, que envolve confrontar emoções e traumas reprimidos, é temporária e direccionada à cura. Em contraste, o sofrimento contínuo sem tratamento não tem fim e só vai piorando com o tempo.

Por exemplo, uma pessoa com transtorno de ansiedade pode evitar a terapia por medo de ter que enfrentar situações desencadeadoras. Entretanto, sem tratamento, essa ansiedade pode limitar cada vez mais a sua vida, tornando-se incapaz de realizar actividades diárias simples. Na terapia, no contexto de uma relação terapêutica segura, o paciente pode aprender técnicas de enfrentamento que reduzem a ansiedade a longo prazo.

Da mesma forma, imagine alguém que sofre de transtorno de stress pós-traumático. Essa pessoa pode precisar de anos de terapia para processar o trauma e aprender a viver sem os sintomas debilitantes. No entanto, ao final, pode encontrar uma nova qualidade de vida, livre dos pesadelos e flashbacks que antes dominavam seu quotidiano.

Permanecer nos mesmos padrões adoecidos é uma forma de dor, muitas vezes ainda mais traiçoeira. E se há uma coisa que deveríamos aprender, é que merecemos mais do que apenas sobreviver. Merecemos viver plenamente, sem as correntes invisíveis que nos prendem ao sofrimento.

Se não acha prudente brincar com a sua saúde física, porque razão haveria de desconsiderar a sua saúde psicológica?

Como seres sociais que somos, nós, seres humanos, não fomos feitos para dar conta de tudo sozinhos. A vida possui situações que nos obrigam a contar com a ajuda de outras pessoas — e a boa notícia é que existem pessoas que se preparam durante muitos anos (and still counting!) para nos ajudar nas horas mais difíceis.

Ah, e já agora, não. A psicoterapia não é cara. Não mais cara do que, sei lá, qualquer outra coisa na vida. Ginásio, gasolina, comida, internet, roupa, telemóveis, está tudo caro, mas eu nunca vi alguém pechinchar o quilo do pão na caixa do supermercado.

A questão é básica: qual é a prioridade que você tem na sua vida?

Estar bem ou estar com a vaidade em dia? Vale assim tão pouco a sua saúde mental? Muitos de nós até podem facilitar o acesso, mas sabe? A gente também não consegue pagar a conta do supermercado com luz a amor. Além disso, pagamos bem caro pela graduação num curso superior; caro para ser membro de uma ordem profissional, de associações e sociedades científicas, de entidades reguladoras da saúde; caro para fazer supervisão clínica; caro para estar em dia com o nosso próprio desenvolvimento pessoal; caro para continuar a estudar e a manter-se actualizado; caro para poder atender num lugar com dignidade; caro para poder estar a par das melhores teorias e práticas da área através de formação permanente e intensiva.

A gente paga caro para poder trabalhar. Não é possível fazê-lo sem cobrar preço algum. Além de que, convenhamos, é justo (como fazemos com qualquer serviço profissional) pagarmos o preço por um trabalho de qualidade (e altamente especializado). E o valor que a psicoterapia traz à vida das pessoas? Bem, esse é incalculável. Mas fica para outra conversa.

Então, se você precisar, não pense duas vezes: procure também quem a pode ajudar a lidar com aquilo que continua a fazê-la sofrer.

Procurar ajuda profissional não é sinal de fraqueza, de falta de fé, de desespero ou de incompetência para lidar consigo mesma.

Procurar ajuda profissional é sinal de inteligência, de maturidade, de amor-próprio, de auto-cuidado, de sensatez e de capacidade de discernimento em relação à complexidade da vida — complexidade que, diariamente, exige-nos a habilidade de tomar decisões acertadas em defesa do nosso próprio bem-estar.

Mas antes de ir, por agora, deixe-me advertir-lhe de apenas uma coisa. É possível que encaremos reacções negativas das pessoas mais próximas (exato!) a nós quando nos começamos a curar ou quando nos tornamos mais autênticos. Podemos experimentar hostilidade, afastamento, mau humor ou até mesmo difamação (típico nos sistemas familiares mais tóxicos/disfuncionais). As “ondas de choque” podem ser sentidas em todo o meio circundante. E pode ser surpreendente ver como somos rapidamente rejeitados ou abandonados quando paramos de funcionar em piloto automático e incorporamos o nosso verdadeiro Eu. No entanto, essa verdade deve ser vista e a dor suportada se quisermos tornar-nos realmente mais autênticos e felizes. É por isso que o apoio qualificado é essencial.

O custo de se tornar real nunca será tão alto quanto o custo de permanecer sendo uma máscara, um “eu falso”, acumulando todo o tipo de problemas e sofrimentos que costumam advir disso.

O medo do desconhecido é uma reacção natural que pode proteger-nos de algumas dificuldades. No entanto, ele também pode bloquear-nos de alcançar certos objectivos ou de descobrir novas oportunidades na vida. Aprender a gerir este tipo de emoção de forma inteligente permitir-nos-á transformá-la num aliado, ajudando-nos a avançar rumo aos nossos próprios interesses.

Então, que tal dar abraçar a saúde mental? Vamos trocar as queixas pela acção, a resistência pelo compromisso, e a dor prolongada pela esperança de uma vida melhor. E lembre-se: a estrada para a recuperação pode ser longa, mas o primeiro passo é sempre o mais importante.


Sara Ferreira

Email: apsicologasara@gmail.com

Site: www.apsicologasara.com

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