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Misty Copeland: o cisne que quer mudar as regras

É a primeira negra a ocupar o lugar de bailarina principal do American Ballet Theatre, tem 33 anos e um corpo atlético que desafia as convenções estéticas da dança clássica.

Misty Copeland quer mudar as regras do jogo e transformou-se num dos cisnes mais conhecidos da história do ballet. Integrou a lista das cem pessoas mais influentes da revista Time, a quem cedeu uma entrevista rara ao lado de Barack Obama, o primeiro presidente afroamericano dos EUA.

Questões como discriminação racial e empoderamento feminino foram abordadas. “Como pai de duas raparigas, estou sempre à procura mulheres fortes que andam por aí a quebrar barreiras e a fazer grandes coisas. E a Misty é um bom exemplo disso. É alguém que vingou num campo extremamente competitivo, onde se presumia que não pudesse entrar”, salientou Obama.

“Lembro-me da primeira vez que pisei o palco do Metropolitan Opera House. Tinha 19 anos, ainda a lutar para encontrar o meu lugar no corpo de baile do American Ballet Theatre [ABT]. Segui o linóleo com as minhas sapatilhas de pontas e imaginei-me no palco, não como membro do corpo, mas como bailarina principal. Pareceu-me certo. Pareceu-me uma promessa: um dia, de alguma forma, isso iria acontecer. Uma década depois, aqui estou eu, à espera do momento em que vou explodir em palco em tons de vermelho e dourado.”

A frase é de Misty Copeland, retirada do prólogo do seu livro de memórias ‘Life in Motion – Un Unlikely Ballerina’ (2014). Misty descreve o momento em que, em 2007, se tornou a terceira solista afroamericana, em 75 anos de história daquela companhia de ballet, uma das mais prestigiadas do mundo. Era também a primeira bailarina negra a ocupar o papel principal no clássico ‘O Pássaro de Fogo’, do compositor russo Igor Stravinsky.

Sobre as palavras de incentivo e encorajamento que ouviu naquela noite, antes de entrar em palco, Misty recorda: “Elas não refletem a natureza monumental desta noite, o que representa para mim e para o resto da comunidade afroamericana”, refere alguns parágrafos mais à frente. Só oito anos mais tarde o verdadeiro sonho se cumpriu de vez. Em junho de 2015, Copeland recebeu a grande notícia: acabava de ser promovida a bailarina principal do ABT, o nível hierárquico mais elevado dentro de uma companhia de dança.

“This is for the litte brown girls”: em português, “isto é para as meninas castanhas”. Castanhas, sim, nem ‘negras’, nem ‘afro’, como Misty escreve repetida e propositadamente no seu livro. Chegar ao topo é, para Misty, muito mais do que um sonho pessoal. É um passo enorme na luta contra o racismo e contra o preconceito que ainda reinam no seio desta arte tradicional, e é mais um degrau ultrapassado nas rígidas convenções do ballet, que não admite normalmente a diversidade, seja étnica ou estética.

“Quero que se tome consciência da falta de diversidade que existe no ballet, e sinto que esse é grande parte do meu propósito”, afirmou em declarações ao jornal The Telegraph, em junho de 2015, aquando da sua promoção. Ser uma das melhores bailarinas do mundo não chega. Copeland integra o Project Plié, criado em 2013 pelo ABT, que tem como objetivo aumentar a diversidade racial e étnica no ballet e nas companhias de dança clássica norte-americanas.

O nascer de um cisne

Voltemos ao princípio. Misty tinha 13 anos quando fez a sua primeira aula de ballet, na pequena localidade de San Pedro, na Califórnia, EUA. Às costas, levava uma infância marcada pela instabilidade de várias mudanças de lar, devido aos sucessivos casamentos e separações da mãe, e pela perda de contato com o pai biológico. No seio familiar, aprendeu a passar despercebida e habituou-se à falta de atenção por parte da mãe e dos padrastos, que tinham de dividir o seu olhar por mais cinco crianças, os seus irmãos.

Uma insegura Misty, sempre a evitar sair da zona de conforto, encontrou no ballet a melhor forma de superação. A vontade de agradar a todos – da mãe, ex-cheerleader, aos professores da escola -, a busca da perfeição e da sobrevivência, acabaram por ser constantes no seu crescimento. Segundo Misty, coincidem precisamente com os atributos que uma bailarina precisa de ter.

Porém, nos primeiros contatos com o ballet, numa pequena escola de dança em San Pedro, a realidade parecia outra. Ao olhar para o resto da turma, Misty achava que não fazia parte do padrão, e não era apenas por não ter o maillot ou os collants certos. A sua idade e o seu corpo destoavam das outras meninas. “Sentia que não me encaixava”, explica no livro. À Time, confessou que não queria usar maquilhagem que fizesse a sua pele parecer mais clara nem o seu rosto mais magro. “Queria ser eu mesma. (…) É importante sentirmo-nos confortáveis e confiantes na nossa própria pele”.

Mais à frente no seu livro de memórias, Misty explica que “Cindy [a professora] acreditava que o ballet era mais rico quando aceitava a diversidade de formas e cores. Houve alturas da minha carreira em que foi difícil recordar-me disto”. A persistência de Cindy e o dom natural de Misty para aprender os difíceis movimentos da dança clássica e decorar rapidamente coreografias levaram-na a encontrar o seu lugar e, em poucos meses, já estava nas sapatilhas de pontas, um nível que jovens bailarinos demoram habitualmente anos a atingir.

Aos 15 anos, Misty já não vivia com a mãe e tinha sido acolhida pela família da professora Cindy. A sua dedicação à dança continuou a crescer e o reconhecimento do seu talento foi surgindo: ganhou o primeiro lugar nos prémios Los Angeles Spotlight, o que a levou a ser nomeada pelo jornal Los Angeles Times ‘Melhor Jovem Bailarina da Grande Los Angeles’. Com este prémio, Misty conseguiu uma bolsa para frequentar o curso intensivo de verão da escola de ballet de São Francisco. Dois anos mais tarde, conquistou um passe direto para o programa intensivo de verão do American Ballet Theatre.

Foi nessa altura que pediu a emancipação, de forma a poder tomar as suas próprias decisões relativas à continuação da aprendizagem do ballet, que se tinha tornado tão vital. “[O ballet] era tudo o que queria e precisava”, refere Misty nas páginas seguintes do livro. A tarefa não foi facilitada pela mãe, mas Misty conseguiu. Aos 18 anos, já estava a mudar-se para Nova Iorque e juntava-se ao American Ballet Theatre, onde sempre desejou chegar. Dos 80 bailarinos que faziam parte da companhia, apenas ela se diferenciava pela cor da pele. Porém, ao longo da sua carreira, ficou provado que foram outras as dissemelhanças que a ajudaram a alcançar o topo.

“Ser afroamericana tem sido um enorme obstáculo para mim”, confessou Misty à revista Time. “Mas também me permitiu ter este fogo interior que eu não sei se teria se não estivesse neste campo”.

Do seu extenso repertório no ABT, a mais recente personagem que interpretou foi a de Odette/Odile, em ‘O Lago dos Cisnes’, de Tchaikovsky, que, segundo o crítico de dança Alastair Macaulay, do jornal diário New York Times, é “o mais épico papel no mundo do ballet”. Foi enquanto desempenhava esta mítica personagem que Misty viu chegar a sua promoção a bailarina principal da companhia.

O poder dos sonhos

Na altura em que ganhou o seu primeiro prémio, em Los Angeles, Misty fez audições para os programas de verão de várias companhias de ballet norte-americanas. Foi aceite por todas, menos uma: o New York City Ballet. Ao receber a carta de rejeição, Misty foi confrontada com o preconceito com o qual viria a deparar-se vezes demais no mundo da dança. “Eles não me quiseram por ser negra”, refere no livro.

Esta carta, que Misty guardou, em conjunto com os vários comentários que foi ouvindo ao longo da sua vida, de não ter o corpo certo para se tornar bailarina, deram o mote para a campanha “I Will What I Want” (em português, “serei aquilo que sonho”), da marca de desporto Under Armour, protagonizada por Copeland em 2014. O vídeo, que percorreu o ciberespaço de forma viral, tem mais de dez milhões de visualizações no Youtube e passa uma forte mensagem do poder feminino na busca pelos sonhos.

Para lá do ballet

Como porta-voz do preconceito racial no ballet e pela sua história de conquista, Misty Copeland tornou-se uma lenda, conhecida um pouco por todo o mundo, e não para de receber convites para atividades paralelas ao seu trabalho na companhia de dança ABT. Um deles chegou diretamente de Prince, para participar nos seus concertos como bailarina, e por duas vezes: em 2010 e de novo em 2013, na tour ‘Welcome 2 America’.

Agosto de 2015 também ficará marcado na vida de Misty como o mês em que participou pela primeira vez numa peça da Broadway. A bailarina estreou-se no clássico musical “On the Town”, no Lyric Theatre, em Nova Iorque.

Está a trabalhar num novo livro – o terceiro da sua autoria, depois de ‘Life in Motion – An Unlikely Ballerina’ e a obra infantil ‘Firebird’. ‘Ballerina Body’ vai incluir dicas de treino e receitas saudáveis e prevê-se que seja lançado no início do próximo ano.

Imagem de destaque: Misty Copeland para Under Armour.

 

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