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Pacman O ALGODÃO, afinal, engana…

Todas as paixões são dramáticas? Talvez não, mas serão certamente intensas ou não seriam paixões. Carlos Nobre, a.k.a. Pacman, a.k.a. Algodão, deixa o seu lado mais duro para passar a ser mais poético. Vale a pena descobrir.

Texto e fotografia Helena Ales Pereira

Todas as paixões são dramáticas? Talvez não, mas serão certamente intensas ou não seriam paixões. Carlos Nobre, a.k.a. Pacman, a.k.a. Algodão, deixa o seu lado mais duro para passar a ser mais poético. Vale a pena descobrir.

Encontro-me com Carlos Nobre, a.k.a Pacman, dos Da Weasel, a.k.a. Algodão, o nome com que grava agora os seus discos, no Príncipe Real, em Lisboa, num dia soalheiro e frio. ‘A Gramática da Paixão Dramática’ é o nome do álbum que justifica a nossa conversa, assim como os concertos que Algodão dará este verão. Os textos que deram origem a este novo projeto estavam guardados em gavetas, resultaram de crónicas que o músico havia escrito para o jornal Correio da Manhã, como o tema ‘Amigos’ e ‘A Felicidade é Assim, Alice’, ou resultaram da sua experiência de vida, como o próprio explica:

Arranjei esse nome, porque o primeiro conjunto de textos [que deu origem ao primeiro álbum, ‘Uma Falaciosa Noção de Intimidade’] tinha muito a ver com o imaginário de droga, sexo, coisas duras, muito sujas. Era o passar do algodão por aquela sujidade e ver o que ficava. Uma forma de exorcizar demónios que, de certa forma, eu precisava. Com o novo trabalho já não ponho as coisas na mesma gaveta. A única semelhança está no conteúdo autobiográfico de alguns dos textos que compõem os dois trabalhos.

Depois de um pequeno-almoço rápido, descemos em direção ao Cais do Sodré, porque é lá que Carlos apanha o barco que o leva à outra margem, onde tem um estúdio no qual trabalha.

O rio é uma passagem

E foi nessa outra margem que Carlos também cresceu, meio desajustado. Era chamado “preto russo” por uns e considerado muito escuro por outros. “Senti-me sempre desenraizado, demasiado branco para os pretos e demasiado preto para os brancos”, recorda o homem que um dia, ainda menino, começou por se dar com os amigos mais velhos do irmão, também ele mais velho, João Nobre, ex-músico dos Da Weasel. Mas Carlos cresceu bem integrado na cidade que o acolheu quando tinha apenas dois meses, depois de ter nascido em casa de uma amiga dos pais, em Angola, para onde os pais tinham ido trabalhar, vindos de Cabo Verde. Um nascimento marcado por tiros na rua e a perturbação social que resultava do tempo da guerrilha.

Cresceu a ouvir muita música, “a reboque daquilo que o meu irmão e os amigos ouviam”. O vinil era um objeto precioso para o qual se juntava dinheiro e que rodava entre todos. “Comprar o disco, chegar a casa, pô-lo a tocar, vermos as letras, a arte gráfica… A música tinha um fascínio diferente, porque não era tão automática, tão descartável, tão imediata…”

O primeiro concerto a que assistiu foi dos Iron Maiden, no Dramático de Cascais, e durante uns tempos assumiu a pose metálica. O primeiro disco foi o ‘Thriller’, de Michael Jackson, a que se seguiu a pop e o punk hardcore, “que teve uma grande importância”. Seguiu-se o hip hop, que lhe trouxe, via sample, artistas clássicos que não conhecia, como Curtis Mayfield e Marvin Gaye, “ouvia os discos e queria descobrir as músicas dos samples e ia ouvir os originais, claro, que eram 30 vezes melhor”, ri-se. A partir dos 20 anos, chegou a música erudita, ou clássica, e o jazz…

Depois de ter experimentado o metal – chegou a tocar baixo em algumas bandas –, o hip hop cruzou-se no seu caminho, mas numa fusão de estilos que incluíam, ao contrário do que era habitual, guitarras pesadas. A diferença era tão evidente que, em 1995, quando convidaram Boss AC para interpretar o tema que dava nome ao segundo trabalho, ‘Dou-lhe com a Alma’, o rapper fez questão de dizer que não queria guitarras. “Quem fazia hip hop era muito conservador, era um sacrilégio meter uma guitarra num tema de hip hop e nós sempre o fizemos. A malta mais conservadora de hip hop não gostava dos Da Weasel porque achava que aquilo era uma mestiçagem. Mas antes de sermos músicos, já éramos mestiços enquanto pessoas”, remata Carlos.

As viagens das tournées e as horas em cima dos palcos acabaram por criar necessidade de se isolar e de procurar um refúgio que não foi o melhor.

Depois de uma temporada de concertos, quando se põe tanto de uma pessoa nas letras e naquilo tudo, é muito desgastante, porque se está permanentemente exposto. Henry Rollins, um artista que vem do punk e, hoje, faz mais spoken word, disse, num dos seus livros, que aquilo não era entretenimento, que de cada vez que estava em palco, sentia algo meio ambíguo, que era o estar a despir-se e, por outro lado, não queria que aquilo fosse visto como mero entretenimento. Nunca entendi o que faço como entretenimento

Sair para o mundo

Durante muitos anos, virou, como refere, um “bicho-do-mato”, praticamente só saindo de casa para os concertos. O ponto de contacto com o mundo era feito através das namoradas, que sempre ocuparam um lugar muito importante na sua vida. E, inevitavelmente, falamos de mulheres. Esses seres por quem Carlos confessa sentir fascínio. Numa entrevista afirmou que as mulheres eram a mais perfeita obra de Deus. “Estava a fazer charme para ganhar fãs…”, ri-se. Mas continua: “Tenho uma facilidade muito grande em dar-me com mulheres porque, primeiro, em todas as mulheres encontro, quase sempre, algo belo e fascina-me esse poder. Mas também têm os seus lados maus. E, além desse encanto, há outra coisa que é muito forte, e que começa com a minha mãe que sempre foi uma pessoa super carinhosa comigo e muito emocional, num bom sentido.” A mãe, com quem fala quase todos os dias ao telefone, e com quem almoça quase sempre que atravessa o rio para trabalhar. “Quando vivia em Almada, via menos a minha mãe do que agora que vivo em Lisboa”, diz.

Lisboa foi a cidade para onde se mudou, há cerca de quatro anos, para se reconstruir, “porque eu precisava de reorganizar a minha vida e havia muitas coisas lá que não permitiam”, remata. Nesta cidade, gosta de andar a pé e de transportes e, quando precisa de ir para longe, a namorada leva o carro, porque Carlos não conduz. “Ainda estou para passar por uma situação em que realmente me faça pensar que devia saber conduzir, felizmente ainda não passei por isso”, ri-se. Leva a filha ao infantário, toma o pequeno-almoço, desce até ao Cais do Sodré e apanha o ferry. Disse numa entrevista que são as coisas más que nos marcam. Pergunto-lhe se agora, após o nascimento da filha, Alice, ainda sente isso. Pondera…

É diferente. Disse isso num contexto específico, mas também sei que a nossa tendência é para apagar as más e guardar as boas. Mas ficam lá dentro, deixam bagagem, condicionam-nos para o resto da vida, e depois acabam em terapia.

Alice ensinou-lhe um amor completamente diferente, “nunca tinha sentido nada remotamente parecido”. Olha para ela e é tudo, podia largar tudo por ela. Um amigo, o artista plástico Paulo Brighenti, que tem duas filhas, disse-lhe que passou a focar-se muito mais no trabalho. Nunca tinha pensado nisso, mas Carlos admite que se passou o mesmo com ele.

É uma inspiração que não é direta. Além daquela coisa de escrever músicas para Alice, esta fase mais criativa, de estar a fazer mais coisas, tem muito a ver com o nascimento da minha filha. E deu-me uma certa calma, ao mesmo tempo. Um amor completamente diferente, uma calma e um foco de trabalho.

E deste foco resultou ‘A Gramática da Paixão Dramática’, que Carlos tem alguma dificuldade em classificar.

Acho que spoken word não é… O maestro que foi fazer o espetáculo de encerramento da Capital da Cultura, Guimarães, disse que era smoken word… Gosto disso. Aliás, no meu perfil do My Space, coloquei essa expressão: primeiro, porque fumo muito, mesmo nos concertos; e, depois, porque vivo muito da palavra, é uma palavra quente, sussurrada e fumegante.

Não tem um tema preferido neste disco, mas hoje escolheria “o ‘Tempestade’. O tema que mais vezes acho porreiro é o ‘Amigos’, gosto muito da composição do Gil [Pulido] nesse tema.” O álbum conta ainda com a participação de Margarida Pinto no tema ‘Uma Mulher’, e da soprano Catarina Molder na canção que escreveu para a filha, ‘A Felicidade é Assim, Alice’, baseada numa crónica escrita para o Correio da Manhã. Um tema composto pelo irmão, João Nobre, que me pareceu duro, digo-lhe. “Não és a primeira pessoa que diz isso”, responde-me, “a música é dura, mas também tem algo de clássico, de barroco, e tem a voz da Catarina Molder. Acho que a música acaba por ser condizente com aquele turbilhão de emoções. Não a acho dura, mas acho-a muito forte.”

Como forte é o conjunto deste trabalho que revela experiências, vivências, amores perdidos e amores de pai, e revela, sobretudo, a vida de um homem que continua a crescer.

‘A Felicidade é Assim, Alice’

Nota: durante esta entrevista, sofremos uma tentativa de assalto. Conheça a história na secção Diário da Redação.

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