

Já sentiu que, por vezes, carrega um peso silencioso, prestes a desmoronar com o menor dos toques? Cada respiração, cada passo que damos, aproxima-nos ora da plenitude, ora do risco iminente de explodir. Como se carregássemos hélio – leve, mas essencial –, cada emoção nos eleva ou nos deixa à mercê de correntes imprevisíveis. E, neste mundo carregado de alfinetes, a qualquer momento podemos estourar.
A fragilidade da mente humana é uma obra de arte oculta, uma filigrana de complexidade que poucos ousam contemplar em profundidade. Vivemos como se o corpo fosse uma máquina autónoma, ignorando que a mente é a sua central eléctrica, e quando esta falha, não há energia que sustente as engrenagens.
Diria que é fascinante, e ao mesmo tempo trágico, como a sociedade insiste em separar corpo e mente, como se fôssemos entidades dicotómicas e não um ser biopsicossocial indivisível. A mente adoecida contamina o corpo; o corpo debilitado pesa sobre a alma. E assim surgem os sintomas insidiosos: a insónia que rouba o repouso, as palpitações que fazem o coração dançar ao ritmo do desespero, as dores musculares que carregam o peso de emoções não expressas. Um desfile de desconfortos físicos que, ironicamente, quase nunca é levado a sério, porque a causa não aparece nos exames de laboratório.
Se o ser humano é um ser biopsicossocial, como ousamos tratar a saúde mental como algo secundário? Quando as fundações da mente começam a ceder, as fissuras tornam-se visíveis no corpo: insónias que roubam a tranquilidade, palpitações que sincronizam com a ansiedade, dores musculares que carregam o peso das emoções suprimidas. Um corpo que grita por ajuda enquanto tentamos silenciar a mente.
O mais irónico? Grande parte desses sintomas não encontra eco nos exames médicos. Porquê? Porque eles não pertencem ao corpo isolado, mas à intersecção entre mente e matéria, ao campo em que negligência emocional e stress crónico plantam raízes. É aqui que percebemos que não há vida sem saúde mental.
De que vale um corpo robusto, uma carreira de sucesso ou a ilusão de controlo, se internamente estamos em ruínas? Nós, seres humanos, tornámo-nos especialistas em mascarar o caos. Colocamos um sorriso enquanto gritos silenciosos ecoam dentro de nós. Somos uma sociedade que glorifica a resiliência ao ponto da negligência emocional. Fazemos da vulnerabilidade um tabu, quando, na verdade, é na vulnerabilidade que reside a nossa força mais autêntica.
À medida que as taxas de depressão, ansiedade e suicídio disparam em todo o mundo – um fenómeno documentado pela OMS e por Ministérios da Saúde em todos os continentes –, continuamos a caminhar como sonâmbulos. É como se estivéssemos todos imersos num pesadelo coletivo, mas negássemos sua existência. Precisamos acordar, e a prevenção é o nosso despertar.
Promover a saúde mental não é apenas uma questão de tratar transtornos; é educar, democratizar o acesso ao conhecimento sobre como cuidar da mente. Falar de saúde mental deve ser tão natural quanto discutir dietas ou exercícios físicos. Precisamos ensinar as próximas gerações que não há vergonha em buscar ajuda, que terapia é um investimento na qualidade de vida e que o auto-cuidado emocional é tão vital quanto beber água ou dormir.
Num mundo que idolatra a aparência e despreza o interior, somos peritos em ocultar o caos com máscaras de normalidade. Pintamos sorrisos sobre rostos cansados, enquanto o vazio interior se alastra como uma sombra. Vivemos numa época onde se venera a produtividade, mas raramente se celebra o descanso. Onde se idolatra a perfeição, mas se esconde o fracasso. Onde se estimula o consumo de soluções rápidas, mas se evita o desconforto de enfrentar os próprios demónios (vulgo, gatilhos emocionais). Não é de admirar que estejamos a rebentar pelas costuras.
A mente, esse terreno fértil e perigoso, é o palco de todas as nossas batalhas. Por vezes, subestimamos o seu poder transformador e ignoramos os sinais de alerta. Pensamos que somos invencíveis, mas a verdade é que somos vulneráveis, e essa vulnerabilidade é a chave para a verdadeira conexão. Por que então, insistimos em travar guerras internas silenciosas, quando poderíamos construir pontes de compreensão e apoio?
É neste ponto que o confronto se faz indispensável: até quando vamos ignorar o óbvio? Até quando vamos insistir que é possível viver sem dar atenção à mente? A verdadeira revolução começa dentro de cada um(a) de nós, ao reconhecermos que a saúde mental é a base que sustenta toda a nossa existência. E se somos balões de emoções, talvez seja hora de aprender a navegar entre os alfinetes, não com medo, mas com consciência, compaixão e coragem.
Assim:
- Aproveite o início do ano para se incentivar a si mesma(o) e a outras pessoas a pensarem a respeito das suas vidas, dos seus relacionamentos e do que andam a fazer para serem verdadeiramente felizes;
- Volte a sua atenção e chame a atenção das outras pessoas para pensarem a respeito do que precisam mudar nas suas vidas para serem, realmente, felizes;
- Que versão actualizada de si mesma(o) está a surgir agora na sua vida? Que é como quem diz…
- O que é que você está a fazer agora que apoia o surgimento dessa versão atualizada?
- Em quem é que você se está a tornar?
- Qual é a habilidade que você está a desenvolver, e como é que a está a praticar?
- Desconstrua velhos mitos e crenças erróneas a respeito da Psicologia e do trabalho dos Psicólogos;
- Torne todas estas dicas e conhecimentos úteis para alguém. Repasse a um(a) amigo(a) que você acha que poderá beneficiar-se com esta informação
Se é verdade que vivemos num mundo que anseia por soluções instantâneas, onde o desconforto é evitado a todo custo, mas verdade ainda é que a saúde mental não é uma cápsula milagrosa, e o crescimento exige enfrentamento. É preciso coragem para olhar nos olhos dos nossos medos, para atravessar o desconforto que tantas vezes preferimos enterrar. A verdadeira cura não está em evitar os alfinetes, mas em aprender a coexistir com eles sem perder a integridade do balão.
Somos frágeis, mas somos também adaptáveis. A vulnerabilidade não nos define, mas pode libertar-nos. Quando reconhecemos que o auto-cuidado emocional é tão vital quanto respirar, damos o primeiro passo para evitar a ruptura. Não basta sobreviver; precisamos aprender a viver, e viver é enfrentar, sentir, transformar.
Portanto, se somos balões, que sejamos balões conscientes, aprendendo a navegar com leveza e resiliência. Afinal, não há vida sem saúde mental – apenas uma existência precária num mundo onde alfinetes nos rodeiam. E cabe a nós, enquanto sociedade, desarmar o maior número possível deles, criando espaços de compreensão, acolhimento e humanidade.
Afinal, viver plenamente não é evitar os alfinetes, mas aprender a arte de ser resiliente sem nos tornarmos indiferentes. De acolher a nossa humanidade em toda a sua vulnerabilidade e beleza. É reconhecer que a saúde mental não é um luxo, mas uma necessidade primordial, tão essencial quanto o ar que respiramos. E que só cuidando dela podemos realmente viver, e não apenas sobreviver.
Sara Ferreira
Email: apsicologasara@gmail.com
Site: www.apsicologasara.com