

Acabou recentemente um relacionamento e sente que o seu coração está partido em mil bocados? Joana Gentil Martins, psicóloga clínica e autora do livro “Como reconstruir um coração partido”, deixou algumas dicas para conseguir ultrapassar este período difícil
Para muitas acabar um relacionamento é um alívio, para outras é como se lhes tivessem arrancado o coração. Perder alguém que nos era tanto e que, provavelmente, esteve presente nos momentos mais especiais e importantes durante aquele período das nossas vidas, é, de facto, um momento difícil. Embora não haja uma regra quando se trata de reconstruir um coração partido, visto que este é processo único e individual, existem estratégias que pode adotar para conseguir lidar com a situação de uma forma mais positiva e tranquila.
Depois de perceber que este é um dos motivos que mais levam pessoas a procurá-la em consulta, Joana Gentil Martins, psicóloga clínica, lançou o livro “Como reconstruir um coração partido”.

Joana Gentil Martins, psicóloga clínica
Começo pela pergunta que não quer calar. Afinal, como é que se reconstrói um coração partido?
Reconstruir um coração partido é um processo único e individual, não devemos generalizar, mas podemos dizer que não é esquecer, nem fingir que não doeu. É aceitar que algo terminou, validar a dor que ficou e, passo a passo, recuperar o amor-próprio e o sentido de vida. É um processo de reconexão com quem somos fora da relação que terminou. Com paciência, questionar os pensamentos autocríticos e cultivar novas formas de estar connosco e com os outros. No fundo, é transformarmos o sofrimento em crescimento. Este meu novo livro “Como reconstruir um coração parecido” oferece esse caminho prático: cheio de exercícios e reflexões para os leitores poderem encontrar o seu próprio passo a passo.
O que se pode fazer para superar a perda e os pensamentos negativos?
O primeiro passo é permitir-nos sentir. Muitas pessoas tentam suprimir a dor, manter-se ocupadas ou “seguir em frente” depressa demais. Mas não se supera aquilo que não se processa. Depois, é importante identificar e desafiar pensamentos disfuncionais como “nunca mais vou ser feliz” ou “a culpa foi toda minha” ou “não sou suficiente” (alguns exemplos). No livro proponho exercícios de reestruturação cognitiva, que ajudam a identificar estes pensamentos e substituí-los por outros mais realistas e compassivos.
“Reconstruir um coração partido é um processo único e individual, não devemos generalizar, mas podemos dizer que não é esquecer, nem fingir que não doeu”
Este processo demora quanto tempo? Conseguimos determinar um prazo?
Esta é mais uma das questões que mais me fazem quando chegam a consulta pelo motivo do término de um relacionamento. E a resposta não é aquela que se quer ouvir no momento, mas é a mais verdadeira e certa: depende. Cada pessoa tem o seu próprio ritmo e cada história requer o seu próprio tempo. Eu sei que numa sociedade em que esperam que estejamos sempre bem, sempre a sorrir, sem nunca chorar, parece que há “pressa”. Pressa para superar, pressa para ficar bem imediatamente, pressa para entrar numa nova relação, pressa para tudo. E esta pressão para ser rápido, pode vir dos outros, dos amigos, dos familiares ou até de nós mesmos, numa tentativa de acabarmos com a dor. Mas neste caso, num processo de luto, quanto mais tentam apressar, mais difícil é que seja rápido. Não criar expectativas com o tempo que vai durar, pode ser mais ou menos tempo. Não há um calendário universal ou um relógio a contar para o processo de luto. Há sim a experiência única de cada pessoa, o seu tempo e a sua capacidade de respeitar esse processo, sem pressas, sem julgamentos, sem culpas.
O que pode sabotar o processo de superação?
Podem ser pensamentos, comportamentos. No livro trago vários exemplos e exercícios para podermos superar. Os sabotadores que descrevo e trabalho no livro são: manter contacto com o/a ex parceiro(a) logo após o término, espiar as redes sociais ou pedir informações sobre a outra pessoa, romantizar o passado e a pessoa com quem estavas, comparação constante, recorrer a “pessoas de substituição”, isolamento social, negar emoções e fingir que está tudo bem, voltar logo aos locais em que iam juntos, falar constantemente do(a) ex parceiro(a) e contar a história várias vezes a várias pessoas e não procurar ajuda e achar que tudo se resolve sozinho(a).
Talvez um dos maiores impedimentos de acabar um relacionamento, seja como fazê-lo. Às vezes queremos acabar, mas, por algum motivo, não conseguimos deixar aquela relação. Porque é que isto acontece? Há uma explicação?
Mesmo com toda a informação sobre a avaliação de uma relação, por vezes não conseguimos tomar uma decisão. Por vezes até já compreendemos que certa relação não nos é benéfica, mas um conjunto de medos pode aparecer e parecer impedir-nos de avançar. E muitas vezes, o medo não é sobre a relação em si, mas sim sobre nós. Por vezes, o medo da solidão. Uma voz que nos diz “se saio desta relação, nunca mais encontro ninguém e vou ficar sozinha(o) para sempre”., ou até “o que será de mim sem esta pessoa?”. Por outras, o medo do desconhecido. Pode aparecer como “mas eu já estou nesta relação há tanto tempo” ou “eu já não sei estar sem ela(e)”. Por outras o medo de ser rejeitada(o), com pensamentos de “e se mais ninguém me quiser?”, e outras ainda o medo de magoar a outra pessoa como “mesmo que já não esteja bem, não quero magoar ninguém”. Também as crenças e ideias sobre o término como “se terminar, falhei ou sou um falhanço porque estou sozinha(o)” podem ter um papel nesta dificuldade em sair da relação.
Posto isto, o que podemos fazer para ultrapassar esta situação e pôr um fim a algo que não nos faz bem?
Para comunicar o término, no meu livro eu trago um passo a passo de forma a ajudar e a que a pessoa possa fazê-lo da forma mais empática possível:
Passo a passo: como comunicar o término
1| Escolhe o momento e local para falares com a outra pessoa: Idealmente deverás escolher um local privado, onde possas estar só tu e a outra pessoa, de forma tranquila e sem distrações. Por exemplo, uma festa, locais públicos, são sítios onde poderás ser interrompida(o), ou onde a conversa pode se tornar mais difícil de ser clara. Pensa “em que local e quando quero conversar com a pessoa sobre a minha decisão?”.
2| Prepara o que queres dizer, de forma espontânea, mas preparada: Dizer a alguém que não queremos continuar a nossa relação já entendemos que é difícil, se fores despreparada(o) ainda mais difícil se pode tornar. Assim, a recomendação é que prepares alguns pontos chave ou tópicos que queres abordar na conversa. Lembra-te: a ideia é que consigas comunicar de forma clara, mantendo o foco na mensagem principal. Para te ajudar a clarificar a mensagem podes responder a esta pergunta de forma curta: “O que é que quero comunicar com esta conversa?”.
Caso seja difícil no momento saberes o que dizer, podes centralizar em 4 partes principais: explicares como te sentes na relação (usando sempre o “eu” em vez do “tu”), comunicares que decidiste que era melhor terminar a relação, agradeceres os momentos vividos e aprendizagens que tiveram e desejares um futuro bom à outra pessoa.
Um exercício que ajuda é falares em voz alta ao espelho. No momento em que estejas sozinha(o) vai até ao espelho e conversa. Diz o que querias dizer, da forma que achares melhor. Assim, podes ir ajustando o tom e perceber se há algo que gostarias de dizer de outra forma e mudar. No entanto, embora este exercício te dê mais confiança, é importante lembrar que não é expectável que digas tudo exatamente como dizias quando treinavas, no momento é normal ser diferente e deves deixar fluir, sem a obrigação de seguir um guião.
3| Inicia a conversa, de forma respeitosa: A forma como irás começar a conversa vai ajudar a determinar a confiança com que concluis a tua mensagem. Assim, a recomendação é que comeces por algo positivo, agradecendo as coisas boas que passaram juntos, ou algo positivo que a pessoa tenha feito por ti. Desta forma consegues mostrar à pessoa que valorizas o que viveram e não é por estarem a terminar a relação que o que foi vivido não foi importante. Por exemplo, podes começar por dizer algo como “Gostava de te dizer que valorizo muito tudo o que vivemos juntos” ou “Eu quero agradecer-te por x que fizeste por mim” ou ainda “Eu valorizo o que vivemos juntos, mas..”
4| Explica a tua decisão: Depois de iniciares a conversa de uma forma positiva, deves agora expor os teus sentimentos e as tuas necessidades, explicando a razão da decisão do término. Podes dizer algo como “eu sinto dificuldade em expressar-me e por isso decidi que o melhor seria terminarmos a nossa relação” ou “eu necessito de estudar fora para crescer mais e não me sinto confortável com uma relação à distância, por isso acredito que seja melhor terminarmos e cada um seguir em frente” ou “eu sinto que dentro da nossa relação não estou a conseguir crescer e ter a liberdade que preciso”, apenas exemplos.
5| Ouve o outro lado: Agora, depois de teres expressado a tua decisão de terminar e as razões que te levam a fazê-lo, dá espaço à outra pessoa para falar e comunicar o que sente. Neste caso, não será para dares mais uma oportunidade para mudares de ideias, mas sim para respeitares o momento do outro. Se fosse ao contrário, alguém a terminar contigo, provavelmente gostarias de dizer alguma coisa, ou de fazer algumas perguntas. Nesse sentido, este é o momento para dar espaço ao outro e com empatia mostrar que respeitas as suas emoções e podes ir dizendo algo como “percebo que seja difícil” ou “sinto muito que seja assim, de facto neste momento é o que considero a melhor decisão”. Claro que esta é a forma que poderás responder e dar espaço para ouvir se também estiveres a ser respeitada(o) do outro lado. Caso não, não deves continuar a dar espaço à conversa.
6| Finaliza a conversa: Por fim, termina a conversa com compreensão e com uma nota de esperança positiva para ambos. No sentido em que não desejas mal à outra pessoa, e sim que cada um siga o seu caminho. Podes dizer algo como “espero que ambos possamos seguir em frente com paz e que encontres tudo o que precisas.” ou “acredito que esta decisão, embora difícil, é o melhor para ambos, e desejo-te o melhor no teu caminho.”
“Cada pessoa tem o seu próprio ritmo e cada história requer o seu próprio tempo”.
Que mitos estão associados ao término de uma relação?
Há vários mitos prejudiciais, como “quem ama, não desiste”, “o tempo cura tudo”, “se acabou, é porque nunca foi verdadeiro” ou “isto do amor não é para mim” ou “é preciso encontrar alguém novo para esquecer o anterior” ou ainda que “sofrer por amor é normal.

Capa do livro “Como reconstruir um coração partido”
Porque é que decidiu escrever este livro? De onde partiu a inspiração?
Escrevi este livro porque, em consulta, é um dos motivos que leva as pessoas a pedir ajuda. Percebi que faltava um guia que fosse mais do que palavras de conforto. Queria algo prático, acessível e com muitos exercícios que realmente fizesse a diferença.
Este é só um livro para as pessoas que terminaram uma relação? Ou deve ser lido por todos?
Este livro é para todos. Para quem terminou uma relação, sim, mas também para quem já terminou há muito tempo e ainda carrega algumas dúvidas ou feridas, para quem está numa relação e quer perceber se está bem, e para quem ainda não começou nenhuma, mas quer preparar-se para amar com consciência.Também é um livro para quem se interessa pela psicologia e por conhecer como funcionamos sozinhos e em relação. E, claro, também para colegas psicólogos que possam querer mais ferramentas e exercícios para trabalhar com os seus pacientes.
É um livro sobre o fim, mas também sobre o recomeço. E sobre a coragem de nos voltarmos a escolher, todos os dias.