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Emília Silvestre sobe ao palco com a peça “DUPLA”

Com uma vasta carreira, que começou aos 14 anos no Teatro Experimental do Porto, a atriz e encenadora partilha mais detalhes sobre a peça de Pedro Galiza, ao mesmo tempo que faz um balanço do seu percurso. DUPLA estreia dias 6 e 7 de junho na Casa das Artes de Famalicão

O Ensemble – Sociedade de Actores estreia dias 6 e 7 de junho a peça DUPLA na Casa das Artes de Famalicão, às 21h30. O espetáculo de Pedro Galiza, que conta com a interpretação do próprio e da atriz Emília Silvestre, sobe, depois, ao palco do Teatro Helena Sá e Costa no Porto de 29 de outubro a 2 de novembro, e, em março de 2026, ao palco do Teatro Municipal de Bragança.

A divulgação da nova dramaturgia portuguesa é um eixo fundamental do Ensemble – companhia portuense criada em 1996-, seja de autores mais conhecidos e consagrados, seja dos menos divulgados. No seguimento deste princípio, desafiaram Pedro Galiza a escrever uma peça original. Partindo de “Ma Double Vie”, a autobiografia que Sarah Bernhardt escreveu quando a celebrada atriz tinha a idade exata da ficcionada protagonista, DUPLA é um choque frontal entre duas aparentemente irreconciliáveis personalidades: a da atriz experiente, que sabe muito bem o que é o teatro, e a do dramaturgo/encenador/criador/vendedor da banha da cobra, que de teatro sabe muito pouco. Na peça, ao lado de Pedro Galiza, Emília Silvestre dá vida a esta atriz.

O que a atraiu inicialmente no texto de Pedro Galiza? 

O que me atraiu muito foi este jogo que o Pedro propõe de interpretar uma grande atriz, com muita experiência, que vai interpretar a grande atriz Sarah Bernhardt a partir do texto de um dramaturgo sem experiência nenhuma e com um gosto de duvidoso interesse teatral, mas que se tem em muito boa conta. Imaginar o encontro destes dois numa sala de ensaios entusiasmou-me logo…

Houve algo que ressoou imediatamente com a sua própria experiência de palco?

Eu sempre adorei a experiência de trabalhar com gente nova e com pouca experiência, das imensas e produtivas descobertas que se criam nesses encontros, porque o teatro precisa de sangue novo e, sobretudo, pela importância da partilha de saberes entre gerações. E, como a atriz desta peça, confesso que sorrio ternamente, perante a arrogante convicção de um ou outro jovem acabado de chegar, mas que já se acha o máximo!

A peça apresenta um confronto entre a experiência e a inexperiência, entre a tradição e a ousadia. Como foi trabalhar essa tensão em cena, especialmente com o próprio autor?

Eu e o Pedro conhecemo-nos há muitos anos! Temos uma simbiose perfeita que nos faz olhar um para o outro e perceber, imediatamente, que estamos a pensar a mesma coisa e rirmo-nos disso. Ele escreveu este texto para nós os dois, porque só tínhamos trocado duas frases num espetáculo que fizemos há vários anos. E, por isso, a atriz e o dramaturgo/encenador/ator desta peça são duas personagens que jogamos com muito gozo e muita ternura também. Os ensaios estão sempre num sítio de febre e de paixão que é muito entusiasmante e divertido.

Há uma clara inspiração na autobiografia de Sarah Bernhardt. Como essa referência foi trabalhada na construção da sua personagem? Identificou pontos de contacto entre si e essa figura histórica?

Acho que há uma combinação de várias coisas: de alguns aspetos da vida da Sarah Bernhardt, que começou no teatro com 17 anos, da vida da personagem/atriz que a vai interpretar, dos mesmos medos, das fragilidades desta profissão, dos momentos de viragem que, de repente, nos abrem caminhos que desconhecíamos, porque se revelam próximos de uma verdade muito nossa também… Enfim, verdades íntimas que reconheço nelas e me confirmam a contaminação do mesmo “vírus” que se apanha no palco!

A peça fala de uma atriz que, após 50 anos de carreira, carrega tanto poder quanto fragilidade. Em que medida a Emília se revê nesta protagonista?

Eu admiro a sua coragem, a assertividade com que ela confronta o colega com a sua honestidade, o exercício de um humor teatral que é, ao mesmo tempo, muito verdadeiro e que identifico totalmente nos nossos comentários do dia-a-dia, quando brincamos uns com os outros e nos partimos a rir… Revejo-me nas escolhas, umas mais conscientes do que outras, nos segredos que guardamos só para nós, nas coisas que nos ensinaram e nos marcaram para sempre, no medo que é o nosso fiel companheiro de estrada e não nos larga nunca…

Como foi o processo de ensaio com alguém que escreve, encena e contracena ao mesmo tempo? Que desafios e surpresas surgiram dessa “dupla” colaboração?

Foi um enorme prazer! Porque a admiração e confiança mútuas e a excitação de trabalharmos juntos sustentaram todas as provocações, todos os desvarios mais doidos  que nos passavam pela cabeça, a coragem de experimentar coisas e usá-las para fazer crescer o espetáculo, ao mesmo tempo que nos aproximaram nas fragilidades de cada momento mais intenso, no espanto do que o outro fazia aparecer à nossa frente, na contaminação emocional e nas memórias gravadas no corpo de tantas experiências anteriores por que cada um de nós passou.

Cartaz Oficial

Cartaz Oficial

 Com uma vasta carreira enquanto atriz. Que balanço faz da sua carreira?

Conseguir fazer uma carreira no teatro em Portugal é, em si, um milagre insondável! O sucesso… nem pensamos nele! A sério! Só queremos continuar a fazer o que amamos verdadeiramente e que o público venha e encha os teatros e se divirta e comova e se reveja e reflita com as histórias que lhe contamos.

Ser actor é 80% de trabalho, 10% de talento e 10% de sorte, portanto, não podemos ceder às desilusões, aos falhanços, às humilhações, aos que anunciam a desgraça! Temos de nos concentrar no que é verdadeiramente importante: a humanidade precisa da arte e dos artistas! Por isso, andamos cá há milhares de anos…

Inacreditavelmente, em pleno século 21, os artistas ainda são vistos por alguns  governantes como “gente esquisita”, que é capaz das coisas mais estranhas e malucas e não é de confiança… Mas o que verdadeiramente fazemos – e isso tem de ser dito –  é ajudar a construir um País melhor.

E, ainda assim, continuamos a desesperar por mais apoios à Cultura, por ainda não nos ser reconhecida a coragem, a entrega, o valor e a abnegação. Mas continuamos a resistir, a reinventar, a seguir caminho. Somos “esquisitos”, não é? Não há nada a fazer!

Como tem evoluído a sua forma de estar em cena ao longo dos anos? Há algo que hoje considera essencial e que antes desvalorizava – ou vice-versa?

Alguém disse que todos nós “somos aquilo que fazemos do que nos acontece”. Eu acrescentaria: e das lições que nos ensinaram que nos marcaram para a vida toda.

Não posso, em verdade, dizer que desvalorizava alguma coisa… não tinha era ainda percebido o valor do que vim a descobrir um dia e que nunca mais me deixou, felizmente.

A aprendizagem, ainda jovem, do “teatro orgânico” com o Moncho Rodrigues,  e da ideia de honestidade no trabalho, juntamente com a aprendizagem do chamado “Método”, com uma das primeiras professoras que tive, a russa Polina Klimovetskaia, foram fundamentais para a minha formação, pela verdade e profundidade que vieram imprimir ao jogo artístico. Anos mais tarde, também o trabalho de vários anos com os professores de voz e elocução Luís Madureira e João Henriques foi absolutamente fundamental, tanto para o aprofundamento da consciência e melhoramento das competências técnicas que o meu trabalho de atriz exige, como para uma maior agilidade e rigor na performance. Um ator deve ser competente e qualificado, exigente do ponto de vista técnico, e estar em permanente desassossego.

Acho que, quando era jovem, me entregava ao jogo teatral com uma espécie de pureza inconsciente. Quando um dia me dei conta da importância dos estímulos que recebia dos meus colegas, da genialidade que usufruía, dos medos e inseguranças que eles revelavam sem tretas, e de como tudo isso tinha uma influência estrondosa no meu próprio acting, algo mudou. Temos de estar sempre muito atentos aos sinais! Não é só fazer, é também pensar muito sobre isso.

 Já alguma vez sentiu, como a personagem, que o peso da experiência também pode ser uma armadilha ou uma limitação?

Não… armadilha ou limitação, não. O que sinto da parte de muitos espetadores e colegas que acompanham o meu trabalho há vários anos, é uma expectativa cheia de confiança, muito gentil e generosa, sim, mas que acrescenta uma pressão ainda maior ao medo que me acompanha sempre que estreio um espetáculo. É como se achassem que, por ter muita experiência, é impossível eu falhar, quando o que sinto e sei é que temos de continuar a  ser muito fortes e muito focados, de saber lidar com os falhanços e seguir em frente.

Se pudesse voltar atrás e dar um conselho à jovem Emília que começou no teatro, qual seria?

A “estrada” vai ser tortuosa e as pedras no caminho vão ser muitas, mas confia nessa paixão e alimenta-a com alegria, coragem e dedicação.

O Ensemble aposta na dramaturgia portuguesa contemporânea. Como vê o estado atual da escrita teatral em Portugal? Sente-se esperançosa quanto ao futuro?

Há gente muito talentosa a escrever teatro em Portugal. O Ensemble percebeu, desde o início, a importância de levar a cena os novíssimos textos da dramaturgia portuguesa, de os divulgar ao público no palco e nas edições impressas. É um dos eixos fundamentais do nosso projeto artístico desde a formação, em 1997. Sim, acredito sinceramente no caminho que está a ser feito e que não vai parar.

Que emoções espera que o público leve para casa depois de assistir a DUPLA?

Espero que as pessoas riam e se emocionem connosco, que se reconheçam nas nossas fragilidades e na nossa coragem, nas pequenas conquistas e derrotas, nas mentiras e na honestidade, nos momentos ridículos e nos belos!

Gosto da ideia de sedução, de comunhão com o público dentro dum teatro. De nos confrontarmos todos, sem medos, com a nossa sublime e estranha humanidade.

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