A promoção de apostas online por figuras públicas tornou-se presença constante nas redes sociais, muitas vezes associada a causas sociais e promessas de prémios fáceis. Mas por trás da estética cuidada e da linguagem apelativa, cresce a preocupação com o impacto desta mensagem nos mais jovens. Cristina Judas, educadora financeira infantil, alerta que este tipo de conteúdo “normaliza o dinheiro fácil” e compromete a relação das novas gerações com o valor do esforço e da gestão financeira.
Uma constante nas redes sociais, a publicidade a apostas online tem crescido nestas plataformas. Através do uso de rostos conhecidos do público, como atores e influenciadores digitais, prometem diversão, prémios fáceis e até apoio a causas sociais. Mas, por trás do brilho, está um fenómeno preocupante. Educadora financeira infantil e fundadora da Hey!Möney, Cristina Judas alerta que “a exposição constante a este tipo de conteúdos normaliza a ideia de que o dinheiro pode ser ganho sem esforço, uma mensagem que mina os fundamentos da educação financeira e cria uma relação tóxica com o dinheiro desde cedo.”
Cristina Judas, Especialista em Educação Financeira Infantil
Segundo o relatório oficial da atividade de jogo online (4.º trimestre de 2024), esta indústria gerou 323 milhões de euros em receita bruta, um aumento de 42,1% face ao ano anterior. Existem já mais de 4,7 milhões de registos em plataformas de apostas em Portugal, com mais de 300 mil novos registos só no último trimestre.
Entre esses novos jogadores, 33,1% têm entre 18 e 24 anos e 80% têm menos de 45 anos. Ou seja, o público-alvo da maioria dos criadores de conteúdo online.
Quando a influência deixa de entreter e começa a manipular
A utilização de celebridades na promoção de apostas online “não é pontual nem subtil”, diz Cristina Judas. São campanhas bem orquestradas, com estética cuidada, narrativas envolventes e, em muitos casos, coladas a causas sociais para ganhar credibilidade.
“Vemos atores com décadas de carreira, cantores populares e influencers com milhões de seguidores a associar-se a estas marcas como se estivessem a promover uma nova linha de roupa. Mas o que estão a vender não é um produto: é uma ilusão. E quando ela rebenta, o impacto é devastador”, afirma a educadora financeira infantil.
Estes conteúdos chegam a todos, mas “atingem em cheio os mais vulneráveis”: adolescentes, jovens adultos e famílias em dificuldades financeiras.
Para Cristina, o capital de confiança que estas figuras públicas detêm “está a ser usado para promover comportamentos de risco com consequências sociais reais”.
O caso do Brasil: um espelho do que pode acontecer em Portugal
No Brasil, onde a proliferação das “bets” (apostas) começou mais cedo, a situação já originou ações judiciais contra influencers. Um dos casos mais mediáticos envolve a influenciadora Virgínia Fonseca, com milhões de seguidores, que viu o seu nome associado a perdas financeiras de utilizadores, após promover uma dessas plataformas.
“O Brasil mostra-nos o que pode acontecer cá, se continuarmos a fingir que isto não tem impacto. O que hoje é um story com luzes, códigos de desconto e promessas de jackpot, amanhã pode ser um drama familiar escondido por vergonha e endividamento”, reforça Cristina.
O preço pago pelas crianças (sem que ninguém veja)
O impacto sobre os mais novos, segundo Cristina, é invisível… mas duradouro: “As crianças não estão a apostar ainda, mas estão a observar. Estão a absorver a mensagem de que o dinheiro fácil é uma solução. Que sorte é mais valiosa que esforço. E isso é o contrário de educação financeira, é deseducação emocional e cognitiva.”
O mesmo relatório revela que 292 mil pessoas já pediram autoexclusão voluntária por problemas relacionados com o jogo, um aumento de 36% em apenas um ano.
Cristina Judas defende, por isso, que é urgente:
- Estabelecer normas claras sobre a publicidade de apostas online nas redes sociais, especialmente em conteúdos visíveis por menores;
- Aplicar penalizações às campanhas que romantizam o risco e promovem “dinheiro fácil”;
- Incentivar influenciadores e marcas a assumirem compromisso com a proteção da infância e juventude.
“A educação financeira começa muito antes da primeira mesada. Começa nas mensagens que os nossos filhos consomem todos os dias. E, neste momento, essas mensagens estão a falhar “, conclui Cristina Judas.