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Blue Monday: uma especialista diz que é “como se tentassem colocar a tristeza num calendário”

Hoje, dia 15 de janeiro, é o dia mais triste do ano.

Segundo o psicólogo Cliff Arnall a terceira segunda-feira de janeiro é chamada de Blue Monday (Segunda-feira triste).

O conceito surgiu em 2005, quando, desafiado pela Sky Travel para descobrir qual o melhor dia para as pessoas marcarem as suas férias de verão, o psicólogo teve de analisar um conjunto de fatores para “calcular” qual o dia mais triste. O frio e o mau tempo, as dívidas acumuladas, a culpa por ter abandonado as suas resoluções de Ano Novo e a falta de motivação, foram alguns dos fatores que levaram Cliff Arnall a concluir que na terceira segunda-feira do ano as pessoas estariam mais deprimidas.

A verdade é que, desde então, diversas marcas têm utilizado a Blue Monday para realizar campanhas e promoções. Como foi o caso da Sky Travel que, após o resultado dos cálculos do psicólogo, lançou uma campanha publicitária chamada “Blue January”. Isto leva-nos, então, a questionar se este é mesmo o dia mais triste do ano ou se tem fins meramente comerciais… Sara Ferreira, psicóloga clínica, esclarece-nos esta e outras dúvidas em relação ao dia mais triste do ano.

Posto em palavras, o que é estar triste?

A tristeza é uma emoção humana primária, normal e necessária para o dia a dia. Ela faz parte das cinco emoções básicas que compõem o espectro inicial das emoções de, basicamente, todos os mamíferos, e estas emoções básicas são o nojo, a raiva, a tristeza, a alegria e o medo. Estar triste pode, pois, ser uma experiência multifacetada, uma jornada emocional que nos leva por caminhos de introspecção e reflexão. É como se as cores do mundo perdessem um pouco de vivacidade, e cada pensamento fosse uma nota suave numa melodia melancólica. A tristeza é um estado de ânimo que nos convida a explorar as nossas emoções mais profundas ou a descobrir uma resiliência interna; sendo que muitas vezes a tristeza aponta-nos para aquilo que na nossa vida estaria a precisar de maior atenção ou que seria importante reajustar.

Sara Ferreira, psicóloga

Sara Ferreira, psicóloga

Segundo o psicólogo Cliff Arnall, a terceira segunda-feira de janeiro é conhecida como “Blue Monday”. Desde 2005 que este termo tem sido utilizado para realizar várias campanhas publicitárias. Este é mesmo o dia mais triste do ano ou tem fins meramente comerciais?

Segundo o psicólogo Cliff Arnall, este é o dia mais triste do ano, pois, de acordo com as suas pesquisas, depois dos excessos de Natal, muitas pessoas não se recuperam financeira e emocionalmente. Além disso, parece que, pouco a pouco, damo-nos conta que as resoluções de ano novo não eram tão realistas, ou pelo menos de que não eram tão fáceis de cumprir. Por esta altura já percebemos que as promessas que havíamos feito para começar o ano são impossíveis ou distantes, por isso sentimo-nos dececionados ou até impotentes, sem esperança. É, tecnicamente, um desajuste significativo entre as nossas expectativas e idealizações (ou mesmo fantasias delirantes…) e a realidade. Em certo grau, necessitamos de alguma fantasia, alguma ilusão para lidar com a realidade e a passagem de ano proporciona-nos coletivamente isso. Mas depois, vem “o dia seguinte” e a queda aparatosa no real que nos encontra de novo e, em muitos casos, engole-nos vivos. Sim, a “Blue Monday” pode também acabar por ter algum aproveitamento com fins comerciais. A publicidade e a melancolia abraçam-se muitas vezes, por vezes com estratégias de marketing intensas que nos fazem precisamente ter vontade de comprar mais e mais de “x” ou “y” para “preencher” um vazio ou evitar sentir as emoções mais difíceis (como a tristeza, por exemplo). Mesmo que todos estes sentimentos de tristeza sejam compartilhados, é pouco provável que toda a população possa ficar deprimida ao mesmo tempo todo ano. Por isso, a teoria da “Blue Monday” oferece um conceito de felicidade reduzido a poucos fatores e generaliza bastante, já que pressupõe que todas as pessoas são impactadas da mesma maneira por estes fatores. Por exemplo, é possível que, em janeiro, tenhamos menos dinheiro e não possamos viajar, mas talvez desejemos um pouco de rotina depois do período das Festas… É como se tentassem colocar a tristeza num calendário, mas as emoções são mais complexas do que um simples dia pode capturar.

Já todos – ou quase todos – experenciámos a tristeza. No entanto, que fatores nos deixam mais ou menos tristes?

Todos nós sentimos e passamos por altos e baixos no nosso humor. A tristeza é uma reação normal às situações de vida, tais como lutas, zangas, perdas, derrotas e decepções. Muitas pessoas usam a palavra “depressão” para designar este tipos de sentimentos, mas a depressão é muito mais do que uma tristeza reactiva a alguma coisa. Os fatores que contribuem para a nossa tristeza são tão variados quanto as experiências humanas. Desde desafios pessoais até mudanças inesperadas na vida, cada um de nós carrega um conjunto único de influências. A tristeza pode ser desencadeada por eventos externos, mas também é profundamente influenciada pela nossa percepção e interpretação desses eventos. As emoções primárias (como a tristeza) não são ensinadas; elas são inatas, uma espécie de software incorporado em nós desde o nascimento, e manifestam-se de maneira semelhante em todos. Poderíamos dizer que o corpo está pré-programado para reagir automaticamente em determinadas circunstâncias. Portanto, o que difere de uma pessoa para outra são os estímulos que desencadeiam essas emoções. O que entristece uma pessoa pode não afetar outra da mesma forma. Além disso, a forma como as pessoas lidam com as suas próprias emoções também pode variar.

 “Estar triste pode, pois, ser uma experiência multifacetada, uma jornada emocional que nos leva por caminhos de introspecção e reflexão”

Existem estratégias para ‘combater’ a tristeza? 

A tristeza, por si só, não deve necessariamente ser “combatida”. Ao invés, podermos perceber em nós a tristeza, processá-la e assim podermos transformar essa emoção será seguramente a melhor aposta.

Sendo a melhor aposta aprendermos a gerir as nossas emoções, como o podemos fazer?

Não haja dúvidas, nos tempos em que vivemos, para prevenir a doença, e viver com um mínimo de saúde física e mental, é crucial aprendermos a gerir as nossas emoções. A escoar a nossa raiva, angústia ou tristeza. Chorar também é preciso, até porque a tristeza é um acontecimento normal e importante da vida. Mas as pessoas insistem em fugir da tristeza ao evitar os momentos de reflexão e introspecção que as convidariam a encontrar soluções. Dependendo obviamente da sua intensidade e recorrência, se não experimentássemos estes sentimentos de quando em vez não teríamos “motor” para avançar, para olharmos para dentro e nos podermos (re)centrar.

O caminho passa então por…

Simplesmente perceber que aquilo que experimentamos é uma parte natural do que se é e da nossa existência neste mundo. O que quer que sinta ou que sente ser, acontece sempre por alguma razão. Quer queiramos olhar, quer não, isso estará lá, na mesma. Sempre. Connosco. A tristeza é uma emoção essencial porque nos faz parar. Precisamos de alterar a nossa relação com a tristeza, ou melhor ainda, a relação do mundo com a tristeza. Essa seria uma boa forma de prevenir a depressão. Porque será que existe mais depressão hoje do que no passado, se as condições de vida melhoraram? Porque é que a depressão é considerada a doença do século? O mundo de hoje não dá tempo à tristeza. Nunca seremos verdadeiramente livres até ao dia em que descobrimos quais são as nossas motivações e aspirações. E por vezes, se não estivéssemos tão assustados e ocupados em “controlar” ou disfarçar ou atenuar as experiências profundas que a tristeza ou a ansiedade nos podem trazer, saltaríamos de contentes por poder beneficiar das oportunidades que muitas vezes estas nos oferecem.

E que oportunidades são essas? 

As oportunidades de crescer. Quando percebemos que estes sintomas de tristeza, de stress, de ansiedade, ou mesmo de depressão, etc., não são mais do que uma sinalética afixada no “outdoor” da nossa maquinaria natural (corpo e mente), comunicando-nos algo. Eles são como se fossem o nosso próprio GPS, ou melhor dizendo, o nosso sistema de navegação interna. Na verdade, não são mais do que um programa interno (coordenado em co-operância pela equipa cérebro-coração) que está a emitir os seus “outputs” (tentando fazer o seu melhor) para nos manter ou puxar para o nosso caminho.

Mesmo que todos estes sentimentos de tristeza sejam compartilhados, é pouco provável que toda a população possa ficar deprimida ao mesmo tempo todo ano”

Muitas vezes, damos por nós tristes sem motivo aparente. Estamos mais em baixo e não conseguimos justificar porquê. Porque é que isto acontece?

Com frequência, o que rotulamos como “sem motivo aparente” pode revelar simplesmente aspectos que não estão imediatamente acessíveis à nossa consciência. Neste sentido, é muito inusitado que a tristeza surja sem qualquer motivo que (nem que de forma inconsciente) a tenha desencadeado. Há portanto uma variedade de fatores psicológicos ou, mesmo, biológicos (como uma TPM – síndrome pré-menstrual-, por exemplo!) que a podem originar. Em muitos casos, as emoções estão interligadas de maneiras complexas e nem sempre é fácil identificar a causa precisa. Como referi, as flutuações hormonais, como aquelas que ocorrem durante o ciclo menstrual, gravidez ou menopausa, podem influenciar o estado emocional sem que tenhamos disso plena noção. Outro fator que as pessoas em geral ignoram por completo e que as pré-dispõe grandemente a sentir tristeza ou a desenvolver mesmo um quadro depressivo é o stress crónico, ou seja, um quotidiano de stress continuado. Mudanças no ambiente, como condições climáticas, falta de luz solar ou até mesmo a estação do ano, podem afetar o humor. Também algumas condições emocionais, como depressão leve ou distimia, podem causar períodos de tristeza sem uma causa “aparente”. Até a privação de sono pode ter um impacto significativo no estado de ânimo e levar a sentimentos de tristeza. Às vezes, eventos passados ou pensamentos não totalmente conscientes e elaborados podem influenciar o estado emocional sem que percebamos de imediato. Na verdade, eu tenho encontrado uma infinidade de evidências científicas de que a depressão (e a ansiedade, por exemplo) não são causadas na nossa cabeça, mas pela forma como muitos de nós estão a viver ou pela forma como fomos criados. Por estes motivos (e mais alguns!) tenho muita dificuldade em ver uma tristeza ou mesmo uma depressão / ansiedade como fenómenos irracionais, ou uma “válvula de escape” esquisita do cérebro. Elas podem ser terrivelmente dolorosas – mas fazem sentido. Qualquer tipo de dor não é um espasmo irracional. É uma reação ao que está a acontecer com uma pessoa. É importante, pois, destacar que a complexidade da mente humana torna difícil identificar uma única causa para sentimentos de tristeza “sem motivo aparente”. Se este padrão persistir ou interferir significativamente na qualidade de vida, é aconselhável procurar a orientação de um profissional de saúde mental para uma avaliação mais aprofundada. Para lidar com a tristeza ou com a depressão, precisamos lidar com as suas causas implícitas.

“O mundo de hoje não dá tempo à tristeza”

Ao longo desta conversa, o conceito de depressão foi surgindo em diversas respostas. No entanto, é importante separar a tristeza da depressão. Como podemos diferenciá-los e percebê-los? 

É, sim, crucial discernir entre tristeza e depressão, pois são experiências emocionais distintas. A tristeza é uma resposta normal a eventos desfavoráveis, é temporária e tende a diminuir à medida que nos adaptamos às circunstâncias. Ela pode ser desencadeada por situações específicas, como a perda de um ente querido, desilusões ou dificuldades temporárias. Por outro lado, a depressão vai além da tristeza comum. Envolve, geralmente, uma melancolia profunda e persistente que pode durar semanas, meses ou até anos. No entanto, a tristeza raramente é o único sintoma da depressão, é necessário observar outros sintomas, como irritabilidade, pessimismo, mudanças significativas na alimentação (perda de apetite), perda de entusiasmo ou interesse (nomeadamente, por actividades que antes eram prazerosas), dificuldade em manter a concentração, sentimentos de culpa profunda (às vezes sem motivo), sensação de rejeição pelas pessoas do seu círculo de convivência, desejos de “desaparecer” ou mesmo ideação suicida (este sintoma é grave e não deve – nunca – ser menosprezado).

A depressão parece uma condição simples de identificar. Ela não é uma tristeza, e está longe de ser tratada apenas com remédios e mandalas para pintar. Algumas pessoas descrevem a depressão como “viver num buraco negro” ou ter um sentimento de desgraça constante. Seja qual for o sintoma, a depressão é muito diferente da tristeza normal ou da simples desmotivação, na medida em que ela anula o dia a dia de uma pessoa de formas cada vez mais insidiosas, interferindo com a sua capacidade de trabalhar, estudar, comer, dormir, divertir-se e – no seu estado mais grave e avançado – de sequer se considerar digno de existir (procure ajuda imediata se for o caso). Os sentimentos de desamparo, desesperança, inutilidade são intensos e implacáveis, com pouco ou nenhum alívio. O sintoma mais sério da depressão é quando a pessoa passa, não somente a desejar a própria morte, mas também começa a planear maneiras de alcançar esse desejo. De salientar que dependendo do tipo de depressão que uma pessoa experiencia, os sintomas mentais começam inclusive a criar sintomas físicos, como dores no corpo, dores de cabeça, dores não justificadas (arrepios, formigueiro, etc.). Como já se percebeu, a depressão é diferente de tristeza. A depressão não é o mesmo que ficar triste ou angustiado algumas semanas, porque se zangou com um amigo ou ficar chateado consigo mesma porque alguém teve a promoção que você deixou fugir. A apresentação clínica da depressão é muito variada, e caracteriza-se por um conjunto de sintomas que interferem com a capacidade de, como referi, trabalhar, estudar, comer, dormir, divertir-se e de viver, em geral. Porém, é importante lembrar que para se ter o diagnóstico correto, uma pessoa precisará procurar um profissional da área de saúde mental.

Janeiro é um mês longo, que por um lado anuncia recomeços, mas que por outro encerra ciclos. Como encarar esta etapa de uma forma mais positiva?

A cada mudança de ano, proclamamos entusiasticamente “Ano Novo, Vida Nova”, elaboramos uma lista repleta de resoluções, almejando mudanças significativas para 2024. Permitimo-nos sonhar e nutrir esperanças, e isso é lindo. No entanto, à medida que os dias passam, as antigas rotinas infiltram-se novamente, e o ímpeto inicial que impulsionava a nossa motivação começa a enfraquecer. As nossas intenções iniciais parecem escapar de nós, e a frustração começa a instalar-se. Assim, para vivermos este mês sem menos revezes emocionais e o sentimento de decepção amarga que tantas vezes ele nos traz, é crucial percebermos se estamos a cair na tendência de criar objectivos megalómanos para o ano.

Surge a questão: devemos continuar a listar os nossos desejos e intenções para 2024? Eu defendo que sim, contando que essas aspirações não se tornem fontes adicionais de pressão ou sofrimento. Porém, a maioria de nós estabelece metas que queremos realizar e, por esse motivo, a motivação é fundamental. Contando que você saiba o que realmente quer, e que isso esteja profundamente alinhado consigo (auto-conhecimento aqui é essencial) a minha sugestão é que defina as suas metas sempre que quiser. Verifique, porém e “apenas”, se as define da maneira certa, explorando o seu “big why” ou o seu próprio porquê poderoso e certifique-se de que elas falam directamente com os seus anseios, necessidades, potencialidades, vontades, sonhos e com os seus valores. Porque na verdade, é “só” isso o que mais importa. Da mesma forma, precisamos de consistência. Não espere que a motivação chegue para avançar ou persistir. Dê passos consistentes e ela chegará nesse processo. É curioso notar que Aristóteles ou Kant acreditavam que, em última análise, não importa se alcançamos as nossas metas ou não. Acreditava que a busca ativa da virtude, do caminho percorrido ou a percorrer, é a própria definição de felicidade, não o estado final. Janeiro é assim o mês que nos saúda com a promessa de recomeços e desafios. Encarar esta etapa de uma maneira mais positiva implica reconhecer que cada dia é uma oportunidade de crescimento pessoal. Em vez de ver a extensão do mês como um obstáculo, podemos encará-lo como um terreno fértil para cultivar as nossas metas e aspirações. Cada dia é uma página em branco à espera de ser preenchida com novas possibilidades. Contudo, por muito que o Ano Novo represente um recomeço cheio de oportunidades, não é uma expectativa realista alterar a nossa vida ou a nossa identidade na passagem de ano. Já a mudança de hábitos, que são mais flexíveis e dinâmicos, é possível e o Ano Novo é uma excelente oportunidade para repensarmos e nos comprometermos com a mudança de comportamentos, propondo-nos a ser uma versão melhorada de nós próprios, corrigindo tudo o que sentimos que falta na nossa vida.

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