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Incidência elevada e diagnóstico tardio: o retrato do cancro gástrico nacional

Portugal regista cerca de 2.950 novos casos de cancro gástrico por ano e mantém uma das incidências mais elevadas da Europa Ocidental. Em entrevista, a especialista Anabela G Barros alerta para o impacto dos diagnósticos tardios e dos hábitos alimentares na elevada mortalidade e destaca a urgência de reforçar a prevenção e o rastreio

Portugal é o país da Europa Ocidental com a maior incidência de cancro de estômago, sendo este o mais frequente a nível nacional. Todos os anos, surgem cerca de 2.950 novos casos, e todos os dias morrem 30 pessoas vítimas desta doença — uma das mais mortais do aparelho digestivo.

Entre os fatores de risco, a infeção por Helicobacter pylori é a principal causa. Porém, os hábitos alimentares também podem estar a aumentar silenciosamente os casos de cancro digestivo. O consumo excessivo de sal, carnes processadas, enchidos e alimentos fumados continua elevado no nosso país e, em contrapartida, o consumo de frutas, legumes e leguminosas permanece abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde.

No âmbito do Dia Mundial do Cancro Digestivo, assinalado a 30 de setembro, Anabela G Barros, Diretora do Serviço de Oncologia da ULS de Coimbra e Presidente do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo (GICD), aborda o impacto dos hábitos alimentares no risco da doença, a importância da deteção precoce e que estratégias de prevenção podem vir a ser eficazes, numa perspetiva de saúde pública.

Anabela G Barros, Diretora do Serviço de Oncologia da ULS de Coimbra e Presidente do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo (GICD)

Somos o país da Europa Ocidental com a maior incidência de cancro de estômago e todos os dias morrem cerca de 30 pessoas desta doença. Que leitura faz destes números?

Portugal apresenta uma incidência intermédia a alta de cancro gástrico, com cerca de 2.950 novos casos e 2.330 mortes por ano. Estes números refletem a gravidade da doença e a necessidade urgente de reforçar a prevenção e apostar em estratégias de rastreio que permitam o diagnóstico precoce. Atualmente, a maioria dos doentes ainda é diagnosticada em fases avançadas, o que compromete significativamente as hipóteses de tratamento eficaz.

Quais são hoje os principais fatores de risco para o cancro gástrico no nosso país?

O principal fator de risco é a infeção pela bactéria Helicobacter pylori, associada a cerca de 40% dos casos. Para além disso, hábitos como o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, a ingestão de sal em excesso, enchidos e fumados aumentam a probabilidade de desenvolver a doença. Também o envelhecimento da população contribui para o aumento do número de casos.

De que forma a alimentação típica portuguesa contribui para este problema?

Hoje em dia, não podemos falar de uma dieta “tipicamente portuguesa” como realidade predominante. A influência da fast food, o acesso fácil a alimentos processados e a mudança de hábitos alimentares têm contribuído para aumentar os riscos. Por outro lado, o acesso limitado a alimentos frescos como frutas e legumes, muitas vezes por razões económicas, dificulta a adoção de uma dieta equilibrada e protetora.

O baixo consumo de frutas, legumes e leguminosas pode estar a fragilizar a nossa proteção natural contra o cancro digestivo?

Sem dúvida. O consumo de frutas e verduras desempenha um papel protetor importante contra vários tipos de cancro, incluindo o gástrico. Uma dieta pobre nestes alimentos, associada à obesidade e ao sedentarismo, fragiliza a capacidade natural de defesa do organismo.

Podemos, assim, dizer que os hábitos alimentares estão a aumentar silenciosamente os casos de cancro gástrico?

A crescente adesão a padrões alimentares menos saudáveis, influenciados pelos media e pela globalização, está a contribuir para um aumento do risco. É um processo silencioso, que agrava não apenas o cancro gástrico, mas também outras doenças crónicas.

Quais são os sintomas de alerta a que a população deve estar atenta para procurar ajuda médica precocemente?

Os sintomas iniciais podem ser inespecíficos, mas incluem dor ou desconforto na parte superior do abdómen, sensação de enfartamento precoce, perda de apetite e de peso, náuseas, vómitos e fadiga. É importante salientar que estes sinais não significam sempre cancro, mas devem ser valorizados pelo doente e pelo médico, para permitir um diagnóstico atempado.

Porque é que em quase metade dos casos o cancro do estômago só é diagnosticado em fases já avançadas?

Porque, na maioria das vezes, os sintomas só surgem quando a doença já está localmente avançada ou com metástases. Além disso, os sinais iniciais são pouco específicos e facilmente confundidos com problemas gastrointestinais mais ligeiros, atrasando a procura de cuidados médicos.

Que papel podem desempenhar exames como a endoscopia digestiva na deteção precoce da doença?

A endoscopia digestiva alta, sobretudo em populações de risco, pode ter um impacto decisivo na deteção precoce, reduzindo tanto a incidência como a mortalidade associada. Se conjugada com o rastreio já recomendado para o cancro colorretal, seria uma ferramenta essencial para alterar o panorama atual.

Que estratégias de prevenção e saúde pública seriam mais eficazes para reduzir a incidência em Portugal?

São fundamentais duas frentes: aumentar a literacia em saúde, desde cedo, promovendo escolhas alimentares mais saudáveis e estilos de vida equilibrados; e implementar programas de rastreio baseados em exames endoscópicos dirigidos às populações de risco. Só assim conseguiremos alterar significativamente a realidade da doença no país.

Como imagina o panorama do cancro gástrico/digestivo nos próximos 10 a 15 anos, tendo em conta os hábitos atuais?

O envelhecimento da população, por si só, fará aumentar a incidência. No entanto, o futuro dependerá das escolhas que fizermos hoje — tanto a nível individual, através de estilos de vida saudáveis, como a nível coletivo, com medidas de prevenção e rastreio implementadas pelas autoridades de saúde. Se houver investimento nestas áreas, poderemos reduzir a mortalidade e melhorar o prognóstico da doença.

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