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Nova comida, nova vida

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Felizmente, há apenas seis ingredientes que devo evitar. Infelizmente, são eles: avelã e trigo (no limite) e leite de vaca, fermento, clara e gema de ovo (mesmo grave)… Ou seja, adeus pão com manteiga logo de manhã, adeus galões e meias de leite, adeus ovos mexidos nos pequenos-almoços de sábado e – nesta altura, começo a entrar em pânico – adeus esparguete, lasanha, sopa de cotovelos, adeus qualquer tipo de massa, adeus queijo, adeus vinho, adeus, adeus, adeus minha alimentação habitual e supostamente saudável… Posso chorar?

O relatório não é o fim do processo. É o início. Vou novamente à Longaevitas e desta vez sou recebida por Isabel Fragoso, doutorada em Ciências da Motricidade e professora de Cinantropometria e Nutrição na Faculdade de Motricidade Humana, que é a diretora da clínica. Explica-me que a sua maior área de interesse científico é o movimento do corpo e o seu funcionamento, que a alimentação condiciona o crescimento, o desenvolvimento, a funcionalidade do organismo, e também que o Yorktest lhe apareceu como resposta para uma pesquisa pessoal – um filho com um historial de reações estranhas aos alimentos e diagnósticos inconclusivos que só conseguiu ver solução para os seus problemas de saúde depois do teste de intolerância alimentar revelar quais os alimentos que devia evitar.

Explica-me também que o Yorktest tem a particularidade de não verificar apenas a reação que o sangue faz em contacto com os ingredientes alimentares, mas que quantifica essa reação. Porquê? Porque, à partida, quando ingerimos alimentos, o corpo reage sempre. É o volume da reação que é tido em conta para concluir se o alimento nos faz muito mal, mais ou menos ou não nos faz mal nenhum. Esta informação é muito importante, porque é esta metodologia que permite priorizar os alimentos que devemos retirar da nossa alimentação. Seis ingredientes em 157 é chato, mas não é o fim do mundo. Não é a mesma coisa que retirar 20 ou 30 alimentos só porque o nosso sangue reagiu de alguma forma no laboratório.

Independentemente da quantidade de ingredientes a que somos intolerantes, a Longaevitas inclui no valor do food scan Yorktest uma consulta de aconselhamento alimentar. Receber apenas a informação numa lista de alimentos proibidos e permitidos seria desencorajador para a maioria dos casos, e é por isso que Isabel Fragoso recebe os clientes numa consulta, com o resultado do teste em cima da mesa, e explica: “Vai continuar a ter exatamente os mesmos hábitos alimentares mas sem estes ingredientes que lhe fazem mal, e substituindo-os por outros que sejam parecidos.” O leite deixa de ser de vaca, mas pode ser de soja, amêndoa, arroz ou aveia. O pão deixa de ser de trigo, mas pode ser de milho sem mistura ou de centeio. As massas podem ser de espelta, de milho, de quinoa…

Para os bolos, posso usar o fermento químico Royal, e um preparado que existe nos supermercados bio pode substituir os ovos. De queijos, posso apenas comer os curados. Acabaram-se os cogumelos. Em contrapartida, acabo de ter a desculpa perfeita para acompanhar as refeições com gin tónico – é que não posso beber vinho por causa da fermentação. Tudo muito bonito, mas é sexta-feira, são 19h30, o fim de semana começa agora e eu, mal entro no carro, esqueço-me das indicações para a minha nova vida alimentar.

Passeios, festas e compromissos infantis adiam a nova dieta, mas conduzem-me a uma gastroenterite na segunda-feira. Ainda estou a debelar a desidratação e aparece-me uma amigdalite com febre alta, tão alta que fico de cama na terça-feira. Quarta-feira, enquanto espero pela consulta com a médica de família, a minha cara rebenta – tenho três herpes gigantescos, daqueles que só atacam quando tenho todas as defesas em baixo. Duas injeções de penicilina e alguns dias de febre resiliente depois, uma figurinha pequenina relativamente parecida comigo salta para o meu ombro e diz-me: “Estás à espera de quê? Precisas de mais sinais? Tudo o que te foi dito na consulta da Dra. Isabel se verifica – tens a imunidade em baixo apesar de todas as sopas e frutas que comes, estás doente há quatro meses. Muda de regime alimentar!”

Era preciso bater tão fundo para mudar? Com a lista do que posso comer na mão, vou às grandes superfícies comprar todos os cereais alternativos ao trigo, nas áreas de ‘alimentação saudável’ descubro as massas das mais variadas matérias, diversifico o arroz, as lentilhas, em casa chego a fazer pão de milho com passas e sementes e mantenho as minhas sopas. Vou ao Celeiro da minha rua comprar os leites alternativos não açucarados, porque os sem açúcar ainda não chegaram aos supermercados (vá lá saber-se porquê), e compro os suplementos alimentares que me ajudarão a repor as defesas que me têm faltado mais rapidamente – vitaminas, ómegas e uma enzima digestiva.

Não passa uma semana, ainda tenho o rosto a cicatrizar e dou por mim no carro a pensar: “Há anos que não me sentia tão bem!” Efeito psicológico? Pode ser, ainda é de manhã, mas a verdade é que passo a chegar a casa com mais energia e mais paciência, e começo a aproveitar os serões para ler, escrever ou passar a ferro, em vez de me apagar em frente à televisão. Sinto-me bem demais para acreditar que se trata apenas de um resultado placebo. Tenho mesmo mais energia, deixei de me sentir doente e tenho um sinal impossível de ignorar: estou muito, mas muito mais magra. O peso é o mesmo, mas o tamanho das calças diminuiu do 38 para o 36. Primeiro, adelgaça a barriga (já nem acredito que aqui estiveram dois bebés) depois o rabo, depois as pernas. A notícia da semana é que vou comprar calções para o verão, daqueles bem curtinhos, daqueles que não uso desde os 12 anos. Eis que aparece a figurinha no ombro: “Vá lá, Carla, não exageres!” Também o meu rosto fica mais definido e eu estou capaz de jurar que emagreci nas arcadas supraciliares.

Na verdade, não emagreci. Desinchei. O processo é fácil de entender – quando comia coisas que me faziam mal, o meu corpo reagia a esses ingredientes como se fossem agentes patogénicos. Era como se entrasse um vírus no meu organismo e o cérebro enviava, por isso, os glóbulos brancos para combater a potencial infeção. Enquanto combatia o suposto invasor, aconteciam duas coisas: o corpo inchava porque estava inflamado, sobretudo na barriga, e as defesas desgastavam-se, o que resultava numa espécie de imunodeficiência. Aos poucos, porque era um processo progressivo, já que o corpo não reagia de forma explícita a um alimento, a inflamação do corpo generalizava-se, espalhava-se, e a sensação de cansaço, desgaste ou doença latente tomava conta de mim. Como era progressivo, acabava por aceitar todos os sintomas como normais. Atribuía o facto de estar sempre doente a fatores ambientais.

Feitas as contas, agora gasto mais dinheiro em alimentação, mas, da forma como me sinto hoje, duvido que, no próximo inverno, gaste o valor que dispendi em oftalmologista, otorrino, urgências de hospital privado, médica de família, descongestionantes nasais, antibióticos e injeções. Resultado: de certeza que vou poupar imenso dinheiro. Mais importante: tenho mais energia, aproveito melhor o meu tempo, sinto-me mesmo bem! Eu não sabia, mas o pão, os ovos, o queijo e o vinho andavam mesmo a matar-me, era só uma questão de tempo até não ter mais defesas no organismo. Sim, agora tenho de recusar alguns prazeres da vida, mas compensa. A saúde e o bem-estar compensam.

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