[wlm_register_Passatempos]
Siga-nos
Topo

Pó de ‘perlim… sim sim’

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. A vida, por seu turno, diz-nos sim a nós, e a isso se chama amanhecer, um novo dia a nascer. Ser feliz não é ter uma vida isenta de perdas e frustrações. É ser alegre, mesmo quando se chora. É viver intensamente, mesmo na cama de um hospital. É dialogar consigo própria(o), ainda que a solidão a(o) cerque. Independentemente da posição social, da aparência física, das qualidades e defeitos que carregue à partida, todo o indivíduo pode e deve tornar-se plenamente humano através do trabalho consigo mesmo, um trabalho que ele tem liberdade de efectuar.

Tal como Séneca insistia “Não te detenhas, realiza a obra e desempenha o papel do homem bom”, frisando que cada pessoa tem diariamente – 365 dias por ano, 7 dias por semana e 24 horas por dia – a oportunidade de dizer “Sim à Vida”, numa tarefa de liberdade sobretudo interior de se tornar “senhora de si”, qualquer que seja o papel exterior que lhe couber.

Isto foi exactamente o que o famoso príncipe Sidarta percebeu. E no entanto, o futuro Buda nasceu, cresceu e evoluiu num contexto completamente diferente (sim, a Índia do século VI da Era passada ainda conseguia ser mais complexa do que o que é hoje). A tradição budista diz-nos que esse príncipe nada sabia acerca da infelicidade até ter chegado à idade adulta. Vivia cercado exclusivamente de indivíduos jovens e com boa saúde, sendo que inclusive o seu pai chegara a proibi-lo que saísse dos limites do palácio, para não se deparar com realidades desagradáveis. Porém, em quatro oportunidades, o jovem Sidarta não pode evitar e lá conseguiu deixar o palácio, e em todas elas viu, supostamente, o que não devia ver: um velho, um doente, um morto e um asceta. Ficou tão abalado que começou a fazer perguntas ao seu fiel cocheiro, que lhe revelou que, quaisquer que fossem o seu poder e sua riqueza, todos os seres acabam por envelhecer, e que nem por isso estão livres da doença nem da morte. Revoltado com esse “destino” do ser humano e decidido a vencê-lo, Sidarta fugiu ao encontro dos ascetas das florestas, submetendo-se às práticas radicais que proporcionavam poderes extraordinários. Contudo, logo se deu conta de que nem mesmo esses poderes seriam capazes de se sobrepor ao dado fundamental da vida: como qualquer ser humano, também ele acabaria por envelhecer e morrer. Sidarta deixou então os ascetas e postou-se debaixo de uma árvore para meditar. E reza a história que terá sido nesse momento que alcançou o despertar e se tornou “o Buda” (que quer dizer, literalmente, “o despertado”). No fim de contas, o que é que lhe ficou dessa experiência? Bem, diz-se que obteve o entendimento e a sabedoria do seguinte: é preciso aceitar os factos incontornáveis da vida, em vez de recusá-los.

Por outro lado, isto significa conformação com o que não está ao nosso alcance alterar? Aceitação, sim, conformidade não. Resignação menos ainda.

Não parecendo, são coisas diametralmente diferentes. Em que sentido? No sentido de que podemos ter a escolha ou, uma vez mais, a liberdade para tentar eliminar o sofrimento ou a infelicidade que esses factos nos podem causar, através de uma ação ou resposta interior. Assim, temos o auto-conhecimento como o veículo ou o meio através do qual poderemos realizar um trabalho de transformação profunda, como que alquímica até, se atendermos à metáfora da transformação do “chumbo” em “ouro”, dentro de cada ser.

Como tudo o que tem valor e é importante na vida, esta não se apresenta como uma tarefa fácil, muito menos instantânea, porém, não se conhece outra forma – à luz das experiências humanas – que possa conferir ou permitir o alcance de uma verdadeira paz ou maior serenidade. Logo, o esforço parece ser compensado.

Tal como em relação às nossas experiências prévias ou heranças familiares ou culturais recebidas, podemos não escolher o país nem o lugar do nosso nascimento. E por vezes podemos sentir-nos deslocada(o)s em relação a determinada realidade, mas será que temos consciência de que ela pode conter algo de positivo, que é constitutivo de nós mesma(o)s e também nos é vantajoso?

Por exemplo, posso ser francês e muitas vezes ficar exasperado com o lado mal-humorado dos meus compatriotas. Mas por outro lado, posso reconhecer que é esse espírito crítico que esteve na origem da revolução e da luta pelos direitos humanos. Não vale a pena aceitarmos a “verdade” como se fosse uma coisa empacotada e pronta a levar. Talvez fosse de maior valia dizer “Sim” às coisas e à vida, questionando-nos permanentemente sobre, por exemplo política, religião, economia, instituições, e tudo o mais que assim seja! Aliás, por mais que tentemos evitar, os “sinais dos tempos”, estão aí, todos os dias, quase que a obrigar-nos a esse constante indagar…

Assumindo determinada “herança” podemos procurar transformar em nós mesmos o negativismo que ela possa conter. Voltando ao nosso “exemplo francês”… ter um espírito crítico não significa necessariamente criticar tudo. Ser lúcido não significa inevitavelmente ser arrogante. Assim é que encontramos em cada cultura elementos que podem ser ao mesmo tempo negativos e positivos. Se eu tenho, por exemplo, um temperamento colérico que me leva a cometer actos violentos, ou um carácter que me faz sofrer e inflige sofrimento ao próximo, identificar e aceitar esse carácter constitui uma primeira etapa, que abre caminho para um trabalho comigo mesma(o). Esse trabalho pode ser feito através da meditação ou da psicoterapia, recursos que ajudam a alcançar um equilíbrio indispensável à paz interior e a uma boa relação com os outros e comigo mesmo. Porque aqui também disse “Sim” à vida. Sim a transformar certos aspectos do meu “chumbo” naquilo que pode vir a ser o meu “ouro”, e a utilizá-los como critério para, pelo menos, libertar-me do que esse “chumbo” tem de destrutivo.

O “simples” facto de aceitar a Vida e o Ser proporciona-nos um sentimento de apaziguamento, de gratidão que por sua vez são fonte de felicidade, permitindo aproveitar plenamente o que é positivo e saber transformar o negativo, dentro do possível, não deixando de reconhecer que um aspecto contém sempre o outro.

Quando eu digo “Sim” à vida, desperto em mim mesma(o) uma atitude interior que nos abre para o movimento da vida, para os seus imprevistos, os seus lances inesperados, as suas surpresas. E isso é como respirar. Há um brotar, que nos permite acompanhar a fluidez da existência. Compreender as oscilações entre alegria e dor, felicidade e infelicidade. Aceitar a vida e a nós mesma(o)s com os contrastes e imprevisibilidades que nos são constituintes.

Há uma espécie de lema latino, estóico, que diz “Amor Fati”, ou seja, eu amo o meu destino, apesar dos seus altos e baixos, pois sempre encontrei a força e os meios necessários para superar os obstáculos e as provações.

Ainda que certos acontecimentos sejam incompreensíveis e revoltantes, eu aceito o ser e digo, apesar de tudo, “Sim” à vida como ela é, com tudo que tem de mistério, de sombra e de luz ao mesmo tempo.

Entretanto, ter mais disposição para ousar, experimentar é reconhecer que dizer “Sim” à vida também é abrir a janela para o futuro, para a vida que sonhamos, mas que por vezes rejeitamos com o nosso negativismo e a nossa falta de vontade ou de acreditar. E acredite que o acreditar é tão credível como outra coisa qualquer, já lá dizia o Professor… químico de profissão, na sua eterna “Pedra Filosofal”…

Em conjunto, chegamos à conclusão que não há homem, mulher, criança, duende, gnomo ou fada que não tenha pelo menos um poder mágico. Assim, agora é obrigatório que cada um conheça o seu poder mágico para entrar em Perlim! Sim, sim…há espelhos, poções, mas também emoções, turbilhões, encantamentos e desencantamentos!

Na verdade, possuirmos algum super poder mágico para alavancar a vida seria fantástico, concorda? E de que forma a terapia nos ajuda a desenvolver um senso de auto-responsabilidade incrível e maravilhoso (de entre vários outros super poderes) para superarmos qualquer batalha que a vida nos apresente? De várias formas. Note que não é de “sorte” ou de “azar” o que estamos a falar. O que, na verdade, está em questão é como lidar com a sorte ou com o azar.

Dizer “sim” à vida é abraçar o mistério que a permeia. É entender que nem tudo pode ser explicado ou compreendido, mas que a beleza reside na busca constante pelo significado. É encontrar inspiração nas perguntas sem resposta e na busca infinita pelo conhecimento.

Dizer “sim” à vida é aceitar os capítulos sombrios da nossa narrativa pessoal. É reconhecer que o sofrimento e a dor, por mais intratáveis que possam parecer, também são parte do tecido multicolorido que compõe a nossa jornada humana. Pois é nesse abraço às sombras que encontramos a luz que reside dentro de nós, pronta para iluminar até mesmo os dias mais escuros.

E o sonho, para além de uma constante da vida, tão concreta e definida, é tão “somente” o maravilhoso “pozinho de Perlim pim pim” que nos faz Viver, dizendo “Sim” à vida. À vida, tal como se nos apresenta. À vida, tal como é.

Sara Ferreira

https://www.facebook.com/apsicologasara

https://www.apsicologasara.com

Veja mais em Opinião

PUB