

Sabia que cantar pode ajudar quem sofre de doenças respiratórias crónicas?
O canto, especialmente se for acompanhado por um profissional experiente, é muito importante porque ajuda a melhorar o controlo respiratório e aumenta a ventilação, o que por sua vez alivia os sintomas de falta de ar, podendo integrar o plano de reabilitação respiratória de pessoas com doenças respiratórias crónicas, como é o caso da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC).
No Dia Mundial da Voz trazemos-lhe o projeto “Respirar a Música”, um coro que reúne pessoas com doenças respiratórias crónicas, fundado pela Linde Saúde.
Para sabermos mais sobre o coro “Respirar a Música” e os seus benefícios, falámos com três pessoas envolvidas: Nazaré Branco, membro do coro; Sónia Silva, Terapeuta da fala; e Dale Chappell, maestro.
Nazaré Branco
Tem 63 anos e sofre de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica com enfisema pulmonar bilateral, sendo que o pulmão esquerdo praticamente não funciona. Devido às várias recaídas e inúmeros internamentos, Nazaré Branco tem uma série de “comorbilidades associadas, devido às excessivas doses de corticoides”.
Neste momento, faz oxigenoterapia 24 horas por dia, o que a condiciona e limita em algumas situações.
“Tem que se aprender a lidar com essas limitações, o que não é fácil para alguém dinâmico e muito independente como eu. Precisar de ajuda para coisas básicas, como, por exemplo, ter suporte de alguém para sair porque faltam as forças, gerir o cansaço até ao acto de apertar os atacadores dos ténis, tomar banho, etc.”, conta-nos Nazaré.
No seu caso, a cortisona provocou-lhe uma osteoporose muito avançada, em que teve de lidar com doze fraturas na coluna e usar um colete próprio, com barra metálica. O que lhe condicionou a maior parte dos movimentos.
No entanto, diz-nos: “A DPOC é uma doença limitante e com a qual temos que conviver da melhor forma, arranjando mecanismos de motivação, resiliência e superação”.
Como é que ficou a conhecer o projeto “Respirar a Música”?
Após me ter sido diagnosticada Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), fui aconselhada a procurar ajuda na clínica mais credenciada em termos de reabilitação respiratória, o Air Care Centre (ACC), pertencente à Linde Saúde. Com uma equipa de excelência, composta por médicos, psicólogos, técnicos de diagnóstico, enfermeiros e os mais conceituados fisioterapeutas nessa área.
Como utente do ACC, foi-me dito pelo meu terapeuta que a Linde estava a pensar formar um coro. Era um projeto já existente em alguns países, mas inovador em Portugal.
Hesitei pois tinha perdido praticamente a voz, entre cigarros e problemas respiratórios, mas a minha convivência com o mundo da música, que sempre foi uma constante desde pequena, falou mais alto!
Sempre participei em coros, desde a infância até à faculdade e mesmo nos anos que lecionei, e após conversas sobre os benefícios e apresentação do Maestro Dale Chappell, decidi abraçar o projeto “Respirar a Música” desde a primeira hora.
Há quantos anos é que integra o projeto?
Desde o início, ou seja, desde fevereiro de 2019, presencialmente com ensaios às quintas feiras, que infelizmente como consequência da pandemia foram interrompidos. Mas, devido à persistência da equipa técnica da Linde, do nosso Maestro e da vontade de alguns de nós, foram retomados de forma digital em abril de 2020.
Que mudanças é que sentiu depois de integrar o projeto “Respirar a Música”?
A par dos exercícios respiratórios efetuados por fisioterapeutas, os ensaios do coro, a utilização de músculos, ossos, cartilagens e outros que nem sabíamos que existiam, e em que o nosso Maestro/professor de canto e voz é exímio no ensinamento dessas técnicas, o processo respiratório torna-se mais fácil.
O Maestro Dale Chappell, para além de nos conseguir pôr a cantar (coisa que pensava já não ser capaz), ensina-nos a utilizar corretamente as entradas e saídas de ar nos pulmões, abdómen e caixa torácica, o que funciona como uma mais valia e uma motivação extra que nos permite acreditar que é possível, com a ajuda das pessoas certas, melhorar a nossa qualidade de vida.
E a nível psicológico, que mudanças é que sentiu depois de integrar este projeto?
O facto de sermos doentes de alto risco, juntamente com os cuidados acrescidos por causa da pandemia, ‘obrigou-nos’ a ficar em casa durante 2 anos, o que obviamente, para além da parte física, afetou também a parte emocional.
Nesse aspeto a interação com os elementos do grupo é importante para desanuviar a mente. Praticamente, somos uma família que se continua a juntar às quintas feiras via Zoom, e durante aquelas cerca de 2h30, para além dos ensaios, partilhamos as nossas desventuras, conquistas, choramos e rimos e acabamos muito mais bem dispostos, quando às vezes nem estávamos com muita vontade.
Já fizemos gravações de vídeos, com um resultado fantástico devido à extraordinária paciência e competência do nosso Maestro.
Tudo isto eleva-nos a autoestima e ajuda-nos realmente a suportar esta adversidade, tornando-nos menos depressivos, mais tranquilos e serenos.
Sónia Silva
É Coach de Comunicação e Voz e Terapeuta da Fala, daí ser a pessoa indicada para esclarecer todas as nossas dúvidas em relação aos benefícios deste projeto.
De que forma é que o canto pode ajudar nas doenças respiratórias crónicas?
O canto é uma função natural do nosso corpo que no caso das doenças respiratórias crónicas promove um maior controlo da respiração, reduz a falta de ar e o cansaço e fortalece a musculatura respiratória o que por sua vez, leva a uma maior qualidade de vida e bem-estar e claro a uma maior socialização e autoestima. É uma atividade funcional e agregadora.
Este método é bastante utilizado, ou nem por isso?
Este método é utilizado internacionalmente há alguns anos, existindo inclusive artigos científicos já publicados que demonstram a eficácia do canto na melhoria da capacidade respiratória. Em Portugal, também já é um método utilizado até em contexto de coro e como coadjuvante da reabilitação respiratória desde 2019 através da Linde Saúde.
Espero que seja uma ferramenta cada vez mais implementada em diferentes instituições.
De que forma é que a terapia da fala se relaciona com este projeto?
A respiração e a voz são indissociáveis e transversais ao canto e à fala. O facto de o canto promover uma maior funcionalidade respiratória ajuda a que pessoas com doença respiratória crónica ou de outra natureza consigam comunicar melhor oralmente o que facilita a intervenção de qualquer terapeuta da fala que também usa o canto para aprimorar outros parâmetros como a intensidade, o ritmo e a melodia.
O importante a salientar é o trabalho em equipa e o papel de cada profissional para que as alterações respiratórias adquiridas não limitem a comunicação e qualidade de vida.
Dale Chappell
Conta com mais de 30 anos de experiência e já foi diretor vocal em séries televisivas e peças de teatro musical, Dale Chappell é o responsável por liderar este coro com 17 integrantes.
Como é que é trabalhar neste projeto?
É gratificante entender e verificar que o canto pode fazer uma diferença na vida de doentes respiratórios. Inicialmente, todos os participantes tinham dúvidas se cantar seria algo que poderiam fazer pelas suas limitações físicas. Mas, gradualmente, aperceberam-se que de facto são capazes, particularmente quando utilizam as técnicas ensinadas.
Creio que posso afirmar que tem sido encorajador, para todos, não apenas cantar, mas sim cantar em conjunto com um som agradável de se ouvir neste projeto inovador com pessoas que não se achavam capazes.
Que dificuldades é que encontra?
Como cantar depende logicamente da respiração para a criação do som vocal, doentes respiratórios enfrentam maiores dificuldades em criar som prolongado. Suster notas prolongadas ou cantar frases seguidas por outras frases, que é o caso de uma canção, é um desafio maior para estas pessoas.
Uma parte do desafio então é aprender formas de fazer respirações mais profundas e eficazes, a controlar a saída do ar também de uma forma mais eficaz.
Lutamos também contra a atrofia da voz que pode acontecer a qualquer pessoa quando não estamos a utilizar o aparelho vocal de forma regular ou mais eficaz.
Que benefícios é que encontra?
Infelizmente, após apenas um ano de existência do coro “Respirar a Música”, chegou a pandemia, mas os participantes têm sido valentes ao continuar a treinar e a cantar nas nossas sessões semanais online. Os membros do coro afirmam que tem sido muito positivo, pela criação de sensações de bem estar, provocado em parte pela oxigenação que acontece, mas também pelos objetivos atingidos e pela interação social, pois já somos também amigos e uma comunidade dinâmica. Em estudos feitos na Alemanha, tem-se verificado que o cantar promove um aumento dessa sensação de bem-estar por razões do foro hormonal e psicológico, mas particularmente quando cantamos em grupo!
Tem sentido bastante procura por parte das pessoas?
Os elementos do coro normalmente vêm através de sugestão médica ou de terapeutas, uma vez que se trata de um coro especificamente desenhado para pessoas com doenças respiratórias. Uma vantagem de termos feito os nossos ensaios online durante a pandemia é podermos incluir doentes de outras zonas geográficas, o que é ótimo!
Quanto mais pessoas podermos encorajar desta forma melhor!
Como é que são feitos os ensaios?
Os ensaios passam primeiro por momentos de partilha, pôr a conversa em dia e ‘carregar’ os pesos uns dos outros. Depois, fazemos exercícios práticos de técnica vocal, que inclui o treino respiratório mencionado e vocalizes musicais para a colocação eficaz, fortalecimento e descoberta mais aprofundada da voz. O passo seguinte é trabalharmos o nosso repertório de canções sempre em crescimento. Temos cantado temas variados, como os de Carlos do Carmo, Mariza, Paulo de Carvalho, Cuca Roseta, os Beatles, música clássica, entre outros, e temos desenvolvido dois temas originais, que são os nossos hinos especiais.
Durante o confinamento, a partir de casa, criámos 5 vídeos das nossas músicas para partilhar nas redes sociais que tem sido um desafio bom e uma aventura animadora.
Pretendem apresentar-se em algum concerto?
Devido à pandemia, ainda não há concertos marcados, mas já existem convites para continuarmos a cantar em eventos que têm a ver com pneumologia e a saúde, tal como fizemos várias vezes antes da pandemia. Estamos desejosos de retomar a nossa atividade presencialmente e continuar a encorajar tanto os que participam como os que nos ouvem!