No dia 8 de março, não quero receber flores, elogios à beleza ou à delicadeza. Parece que mereço apenas nesse dia um tratamento especial, mas que normalmente me reduz ao papel bem definido para a mulher e que se sintetiza na expressão ‘sexo fraco’. Um dia por ano, parece que tenho direito a ir ao cabeleireiro, a não fazer o jantar e a ser mimada pelo meu companheiro, sem me sentir culpada. Será isso? Estarei autorizada, no dia 8, a dar largas ao que de frágil, frívolo e superficial há em mim? Não foi para celebrar a beleza e a fragilidade que o Dia Internacional da Mulher nasceu.
Não é que eu não tenha essas características. Sim, eu adoro um belo verniz, um bom restaurante e uma relaxante massagem. A questão é que não tenho só essas características e, na verdade, essa parte da minha vida e da vida de todas as mulheres é amplamente apoiada, todos os dias, no tal papel que a sociedade nos oferece; a questão é que o Dia Internacional da Mulher nasceu para chamar a atenção para a outra parte: a parte que é forte, que é inteligente, que trabalha, que participa na sociedade, na economia, na vida das famílias com muito mais do que beijinhos e abraços e que, mesmo assim, continua desprezada.
A data não foi escolhida ao acaso. O Dia Internacional da Mulher, celebrado a 8 de março, assinala o dia em que 130 mulheres grevistas morreram queimadas numa fábrica em Nova Iorque, na sequência da reivindicação pelo aumento do salário e pela diminuição do horário de trabalho de 16 para 10 horas. Isto aconteceu em 1857.
158 anos depois, continuamos no mundo ocidental a falar das diferenças salariais entre homens e mulheres. O Presidente Barack Obama falou disto recentemente. E, neste aspeto, piorámos muito em Portugal, desde 2008: nos últimos anos os homens passaram a ganhar 13% mais do que as mulheres com funções semelhantes, segundo os dados que o Eurostat apresentou esta semana. Somos 49% das pessoas ativas, envolvidas no mercado de trabalho, somos também nós, as portuguesas, dentre todas as mulheres da UE, as que mais trabalham em casa. Continuamos a ganhar menos porque sim e a fazer mais tarefas domésticas porque senão não há quem as faça…
Por falar em domesticidades, na quinta-feira vi uma reportagem na SIC que me levou às lágrimas. A jornalista Ana Sofia Fonseca foi falar com famílias desfeitas pela violência conjugal. Miúdas de 8 anos dizem que não querem casar-se para não irem parar ao hospital, uma mulher de 23 anos assistiu à morte da mãe à facada e foi acolhida pela irmã que era agredida todos os dias pelo marido, uma mulher de 58 anos foi desfigurada pelo companheiro depois de anos em que “não vivi”, diz ela, em que lhe foi retirado todo o dinheiro do seu trabalho, em que recebia uma esmola de um euro por dia. Os números da violência doméstica não se alteram há anos em Portugal. No ano passado morreram 40 mulheres, e 46 salvaram-se de tentativas de homicídio. No dia 2 de março, morreu uma mulher às mãos do marido. Foi a 6.ª vítima, conhecida este ano.