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A carne é fraca, mas o molho é bom!: Rissóis passados

Afonso Vilela volta a trazer-nos mais aventuras e desventuras todas as semanas. Além disso, em “A Carne é fraca, mas o molho é bom!” há sempre uma receita a acompanhar.

Rissóis passados

Das primeiras vezes que aconteceu, quase ninguém estranhou.  Nos seus sessenta e poucos, já não tinha a pujança de outros tempos, mas ainda era um homem capaz. O seu pai e o seu avô também tinham tido o mesmo destino, mais tarde é certo, mas estas enfermidades hereditárias têm tendência a adiantar-se com o passar das gerações. Antigamente, diziam apenas que estavam a ficar xexés, com tremeliques e assim, era uma coisa natural, da idade.

Sempre vivera a vida despreocupadamente, igual a todos os homens da sua família. Com mais ou menos abastança, nunca nada lhes faltara. Nem diversão, nem amantes.

Quando o encontraram perdido e desnorteado no meio dos campos, levaram-no de volta a casa, onde já se denotava alguma apreensão pela sua ausência. Entrou apático, sem reconhecer nada nem ninguém, até que o odor e o crepitar dos rissóis que estavam naquele preciso momento a acabar de fritar o fizeram abandonar a imensidão do vazio onde se encontrava.

A mulher era uma cozinheira de mão cheia, tal como a mãe e avó haviam sido. As receitas iam passando de geração em geração, sem nunca terem sido escritas, e claramente melhoradas, pelas mãos e herança de mulheres educadas para o trabalho e as lides domésticas.

Ele sempre fora um folgado, conhecendo-se-lhe inúmeros casos e amantes, de antes e depois do casamento. Umas de verdade outras apenas fruto das más-línguas, mulheres de passagem ou de outras aldeias, algumas comadres viúvas e até uma prima.

Na aldeia nunca se comentavam estes temas mais do que o necessário. Era normal nos homens. As esposas para umas coisas, as outras para outras coisas. Sempre fora assim. Toda a gente sabia. A mulher também, apesar de fazer de conta que ignorava, por uma questão de apaziguamento doméstico e conforto social. Sempre soube, mesmo antes de casarem, e sempre se sentiu esposa e apenas esposa. Nunca o recriminou ou sequer discutiram, mas sempre teve alguma curiosidade e até mesmo desejo de se sentir mulher e apenas mulher.

Daí em diante, quando aparecia no café sem dizer coisa com coisa ou deambulava pelas aldeias vizinhas perdido de si mesmo e do mundo, levavam-no de volta a casa, ela fritava uns rissóis e tudo começava a voltar ao normal.

A doença começou a piorar, as ausências eram mais longas e inspiravam mais cuidado. Por vezes, aparecia bastante sujo, imundo, e era ela que tinha de o despir e lavar, e só depois lhe preparava os rissóis.

Foram as primeiras vezes em que o viu nu, verdadeiramente. Todos aqueles anos a sua intimidade passara-se às escuras, quase sem luz. Agora tinha oportunidade de o observar e apreciar. Ainda era um belo homem apesar de tudo, o seu homem.

Começou a alongar-se um pouco mais neste ritual. Quando o apanhava sem roupa, já lavado e ainda completamente perdido, dizia-lhe o nome de outra, de outra aldeia, ou da prima ou da comadre viúva. Sempre soube os nomes de todas. E ele instintivamente, cortejava-a até ela se deixar possuir.

Nunca ela pensou que o seu homem fosse capaz de fazer tais coisas e senhor de tantos atributos. E por fim, lá lhe fritava os rissóis.

Quando ele recuperava a memória, os laivos do acto que acabara de consumar com a mulher deixavam-no um pouco atordoado. Sentia-se estranho, sem saber explicar. O olhar cabisbaixo e sofredor de esposa condenada pelo matrimónio foi sendo substituído por uma aura e luminosidade, pouco normais naquelas idades, e as gentes começaram a desconfiar. Aos poucos foi-se sabendo, até que se soube. E foi um escândalo.

Como era possível, fazer aquilo ao marido, como é que a família permitia que tal acontecesse! E os amigos que nada faziam e nada podiam fazer.

Por vezes, passado um rissol, quando lhe volvia memória, o remorso e o desgosto acossavam- no, não pelo que fizera com as outras, mas talvez pelo que não fizera com a legítima durante todos aqueles anos.

Rissóis de camarão à antiga

Ingredientes para a Massa

  • 2 chávenas de farinha (220-250 g)
  • 1 chávena de água (200-250ml)
  • 1 chávena de leite (200-250ml)
  • Sal
  • 2cl. de sopa de gordura (banha, manteiga, margarina)
  • Casca de limão (opcional)
  • 2 ovos
  • Pão ralado (ou panko fino)
  • Óleo para fritar

Preparação

  1. Colocar ao lume todos os ingredientes menos a farinha até levantar fervura. Retirar do lume e a casca do limão e juntar a farinha de uma vez só, mexer muito bem e voltar a colocar ao lume (baixo). Mexer sempre (com colher de pau ou plástico) até ficar uma mistura homogénea e bem ligada, até fazer uma bola ou quando começar a separar do fundo do tacho (que por vezes fica com uma camada de queimado);
  2. Retirar do tacho e bater e amassar até amaciar e arrefecer em cima da mesa ou bancada, deixar a descansar (1h);
  3. Estender a massa em camada fina 1-2 mm, em tiras;
  4. Com a ajuda de um aro ou utensílio circular (chávena grande por ex.), começar a cortar circunferências, colocar uma colher de recheio ao centro, dobrar e fechar em meia-lua, pressionando levemente as extremidades com o cabo ou os “dentes” do garfo;
  5. Para frigir, passar no ovo previamente batido e de seguida no pão ralado e colocar no óleo (médio-alto), até dourarem. Secar em papel absorvente.

Ingredientes para o Recheio (não é à antiga)

  • 400 g de camarão
  • 3 cl sopa de manteiga
  • 2 cl sopa de maizena
  • Caldo de camarão e leite em partes iguais (aproximadamente ½-1 chávena de cada)
  • 2 cl sopa de queijo da ilha ralado

Preparação

  1. Colocar o camarão num tacho fundo e cobrir com água e sal, deixar levantar fervura, retirar e reservar a água. Deixe arrefecer, descasque os camarões, reserve o miolo e volte a colocar as cabeças na água e deixe ferver mais 2-3 minutos em lume brando. Coe e reserve;
  2. Numa caçarola coloque a manteiga a derreter em lume brando, misture a farinha e quando a mistura estiver a ligar, vá incorporando o leite e caldo em partes iguais, sempre em lume brando e controlando a fervura sem deixar queimar. Assim que ficar cremoso, desligue e junte o queijo finamente ralado e o miolo de camarão cortado aos bocados (1 cm);
  3. Coloque sal e pimenta (um toque de piripiri não fica mal…).

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