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Dia Internacional da Mulher: “Mais de 57.6 milhões de meninas e mulheres em todo o mundo tiveram de fugir para salvar as suas vidas”

Hoje, dia 8 de março, celebramos o Dia Internacional da Mulher. Joana Feliciano, Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR, em entrevista sobre o trabalho que o ACNUR e os seus parceiros nacionais, têm desenvolvido para mitigar o impacto das deslocações forçadas, lutar contra a violência de género e garantir que os direitos das mulheres são respeitados.

Segundo a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR), cerca de 50% do total de pessoas refugiadas ou deslocadas internamente são mulheres e raparigas. Deslocações forçadas que são motivadas por diferentes causas, como consequência da guerra, violações de Direitos Humanos ou efeitos das alterações climáticas. 

Um dos impactos mais visíveis destas deslocações prende-se com o agravamento dos riscos de violência baseada no género (VBG).  Os refugiados, os requerentes de asilo, os retornados, os apátridas e as pessoas deslocadas internamente sofrem “taxas mais elevadas de violência baseada no género, a qual aumenta particularmente para meninas e mulheres deslocadas”, explica Joana Feliciano, Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR.

O ACNUR é uma organização global dedicada a salvar vidas, proteger direitos e construir um futuro melhor para as pessoas forçadas a fugir das suas casas devido a conflitos e perseguições. Presta assistência, tais como abrigo, comida e água, ajuda a salvaguardar os direitos humanos fundamentais e desenvolve soluções que garantem às pessoas um lugar seguro para chamarem de casa. Trabalha em mais de 135 países e a intervenção ao nível da violência baseada no género acaba por estar presente em todos estes contextos de deslocação forçada. A nível nacional, a Portugal com ACNUR, parceiro nacional do ACNUR, tem procurado, desde 2021, sensibilizar e consciencializar a população em prol da igualdade de género e proteção de meninas e mulheres, através de ações de sensibilização e angariação de fundos.

Joana Feliciano

Joana Feliciano, Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR

A LuxWoman esteve à conversa com a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR, Joana Feliciano, para perceber o que mais tem sido feito para proteger estas meninas e mulheres.

Quando estamos perante uma deslocação forçada?

As deslocações forçadas podem ser desencadeadas por vários fenómenos, como consequência da guerra, violência, violações de Direitos Humanos ou até dos próprios efeitos das alterações climáticas e afetam as pessoas de forma diferente, em função da sua idade, género e outras características de diversidade. Na Portugal com ACNUR reconhecemos que as desigualdades de género, que são agravadas em contextos de deslocação forçada, desfavorecem desproporcionalmente as meninas e mulheres, mas não podemos esquecer que rapazes e homens também são afetados pela discriminação baseada no género.

Que impacto têm na vida destas meninas e mulheres?

No caso das meninas e mulheres, um dos impactos mais visíveis das deslocações forçadas prende-se precisamente com o agravamento dos riscos de violência baseada no género (VBG). Os refugiados, os requerentes de asilo, os retornados, os apátridas e as pessoas deslocadas internamente sofrem taxas mais elevadas de violência baseada no género, a qual aumenta particularmente para meninas e mulheres deslocadas. Uma tarefa normal como ir buscar água ou ir à casa de banho pode colocá-las em risco de violação ou abuso. 

A VBG é uma grave violação dos Direitos Humanos e um importante problema de saúde pública. É mais do que tempo de pôr termo a esta violação que pode ser de carácter físico, psicológico, sexual ou de natureza socioeconómica. Esta manifesta-se sob a forma de vários atos, como violação, abuso psicológico ou emocional, violência entre parceiros íntimos, o casamento infantil ou forçado, a mutilação genital feminina, o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual e servidão doméstica, negação de recursos, oportunidades ou serviços, o uso da agressão física e/ou sexual em situações de conflito e a negação de direitos (desde o acesso à escola até ao direito de transmitir a nacionalidade aos seus filhos). 

A ameaça de VBG pode levar alguém a fugir de casa, pode representar grandes perigos durante a fuga e pode comprometer a sua segurança mesmo depois de encontrar refúgio noutro local.

No Afeganistão, um grupo de crianças a ir buscar água num dos reservatórios colocados pela ACNUR. Créditos: © UNHCR/Oxygen Empire Media Production

No Afeganistão, um grupo de crianças a ir buscar água num dos reservatórios colocados pela ACNUR. Créditos: © UNHCR/Oxygen Empire Media Production

Estamos a falar de quantas mulheres e meninas?

Mais de 57.6 milhões de meninas e mulheres em todo o mundo tiveram de fugir para salvar as suas vidas. As mulheres e as raparigas representam cerca de 50% da população de refugiados, deslocados internos ou apátridas. Nestes contextos, as mulheres que não estão acompanhadas, as grávidas, as chefes de família, com deficiência ou as idosas estão especialmente vulneráveis. Estima-se que em todo o mundo uma em cada três mulheres seja exposta à violência de género durante a sua vida. Cabe-nos a todos garantir que as meninas e mulheres possam viver e deixar de fugir.

O ACNUR atua em que países? 

O ACNUR trabalha a resposta humanitária em mais de 135 países e a intervenção ao nível da violência baseada no género acaba por estar presente em todos estes contextos de deslocação forçada, embora a níveis distintos. Em 2024, a Agência da ONU para os Refugiados pretende implementar programas de prevenção e resposta à violência baseada no género em 110 países.

A VBG tem sido continuamente referida como sendo uma das principais preocupações em grupos de proteção liderados pelo ACNUR em mais de 30 emergências humanitárias, a par de ataques a civis, incluindo crianças, deslocação forçada, rapto e detenção, e riscos psicossociais – especialmente para mulheres e crianças.

No Sudão, por exemplo, as equipas do ACNUR no terreno que assistem os refugiados na República Centro-Africana, no Chade, no Egipto e no Sudão do Sul estão profundamente preocupadas com os graves abusos relatados por mulheres e raparigas refugiadas, incluindo casos de violência sexual associados ao conflito. Também na República Democrática do Congo, o ACNUR alertava, em agosto de 2023, para um aumento da violência contra mulheres e raparigas no leste do país.

Na República Democrática do Congo, Uma sobrevivente de violação que procurou ajuda no Centro de Saúde de Walungu, no Kivu Sul, recebeu apoio socioeconómico para abrir o seu próprio salão de cabeleireiro. Créditos: © UNHCR/Caroline Irby

Na República Democrática do Congo, uma sobrevivente de violação, que procurou ajuda no Centro de Saúde de Walungu, no Kivu Sul, recebeu apoio socioeconómico para abrir o seu próprio cabeleireiro. Créditos: © UNHCR/Caroline Irby

No que consiste o trabalho da ACNUR?

A igualdade de género é um tema transversal e orientador do trabalho global do ACNUR para proporcionar proteção e soluções aos refugiados, requerentes de asilo, deslocados internos, repatriados e apátridas. Neste sentido, a Agência da ONU para os Refugiados trabalha diariamente no terreno para, através das suas respostas humanitárias, garantir abrigos seguros que ofereçam privacidade, assistência na construção ou manutenção, sistemas de distribuição de alimentos justos e instalações sanitárias separadas. A Organização gere também programas que ajudam as mulheres a melhorar as suas capacidades de liderança, a ultrapassar barreiras à educação, ao emprego e a aceder a oportunidades. 

E no âmbito da violência baseada no género?

No caso do trabalho desenvolvido no âmbito da violência baseada no género, o ACNUR procura atuar nas diferentes dimensões deste fenómeno: na prevenção, focando nas causas profundas da VBG para evitar que esta ocorra pela primeira vez e que se repita; na mitigação de riscos através de programas e assistência humanitária, por exemplo, abrigos seguros e instalações sanitárias nos locais de acolhimento; e nas respostas concretas com serviços e apoio especializados que abordam as consequências da VBG depois de esta ter ocorrido, por exemplo, saúde, apoio psicossocial, alojamento legal e seguro.

A nível nacional, a Portugal com ACNUR, parceiro nacional do ACNUR, tem procurado sensibilizar e consciencializar a população em prol da igualdade de género e proteção de meninas e mulheres. A Organização tem realizado várias ações de sensibilização junto de diversas comunidades e tem trabalhado na angariação de fundos para estes programas do ACNUR de apoio às mulheres e meninas deslocadas.

Síria. Créditos: Fotografia cedida pela Portugal com ACNUR

Síria. Créditos: Fotografia cedida pela Portugal com ACNUR

Que impacto tem tido na vida destas mulheres?

O impacto é muito positivo, como seria de esperar. São cada vez mais as mulheres e meninas inseridas nos nossos programas e iniciativas que promovem a igualdade de género e isto acaba por impactar positivamente as comunidades a que pertencem, e até mesmo as gerações seguintes. Os dados mais recentes que temos revelam, por exemplo, que o ACNUR apoiou 990 mil mulheres e raparigas com serviços de saúde sexual e reprodutiva. Também ao nível da Educação, o trabalho da Agência da ONU para os Refugiados levou a um aumento do número de raparigas com acesso ao Ensino Primário e Secundário (48% em 2022 contra 46% em 2021) e de mulheres no Ensino Superior (43% face a 41% em 2021).

Também ao nível do combate à violência baseada no género temos assistido a vários casos de sucesso, que permitem ao ACNUR manter as mulheres e meninas que apoiam em segurança e que lhes trazem aprendizagens e instrumentos essenciais para que alcancem novas e melhores oportunidades para o seu futuro. Todas estas intervenções permitem também capacitar estas pessoas para que detetem de forma imediata potenciais riscos e fornecem-lhes ferramentas que no futuro lhes permitam evitar e mitigar novas situações de VBG.

Muitas destas meninas e mulheres acabam depois por ter um papel crucial nas suas comunidades, partilhando estes conhecimentos e apoiando outras mulheres e meninas. Esta é, sem dúvida, umas das conquistas mais importantes do ACNUR, pois significa que estas comunidades estão mais resilientes e capacitadas e menos vulneráveis à violência baseada no género.

O que tem de ser feito para mudar?

Independentemente de quem se é ou de onde se é, a desigualdade de género é um problema de todos. Acabar com a violência baseada no género começa com a inclusão. Temos de assegurar uma participação mais sistemática, inclusiva e significativa das meninas e mulheres deslocadas à força e apátridas em todos os níveis das intervenções humanitárias. As Organizações lideradas por mulheres, incluindo as lideradas por deslocadas à força e apátridas, estão na vanguarda da ação para acabar com a violência baseada no género. Temos de ouvir as suas vozes e apoiar os seus esforços. 

Também não podemos esquecer o importante papel das políticas e programas de desenvolvimento no terreno, que cada vez mais devem ser concebidos tendo em conta as peculiaridades de cada situação e emergência e as diferenças de género. Devem também ser capazes de monitorizar a forma como os resultados e os impactos variam entre homens e mulheres, raparigas e rapazes.

O ACNUR já trabalha tendo em conta estas premissas, mas é preciso que mais pessoas e Organizações se juntem a esta missão e ao trabalho de sensibilização e angariação de fundos da Portugal com ACNUR em território nacional para, juntos, conseguirmos aumentar a ajuda prestada a quem sofre com o peso das desigualdades.

Créditos: Fotografia cedida pela Portugal com ACNUR

Créditos: Fotografia cedida pela Portugal com ACNUR

Como podem estas mulheres ser ajudadas?

Em primeiro lugar, é essencial mais financiamento para apoiar as respostas de emergência no âmbito da igualdade de género e do combate à violência baseada no género. Só em 2024, o ACNUR necessita de garantir cerca de 340 milhões de euros para dar resposta às maiores carências nos 10 principais países mais vulneráveis a este desafio da VBG, nomeadamente Etiópia, Sudão, Somália, República de Camarões, República Democrática do Congo, Afeganistão, Jordânia, Uganda, Bangladesh e Colômbia.

Além disso, é preciso também trabalhar a inclusão destas pessoas nas comunidades e mudar a forma como se aborda a temática das deslocações forçadas. Estereótipos, barreiras sistémicas e falta de oportunidades continuam a impedir que as meninas e mulheres refugiadas, requerentes de asilo, retornadas, apátridas e as deslocadas internamente tenham uma vida digna e alcancem os seus sonhos. Na Portugal com ACNUR temos estado a trabalhar com escolas de todo o país na sensibilização de crianças e jovens para estes temas e para a importância do acolhimento no futuro destas pessoas, mas é um trabalho contínuo, que deve ser transversal a toda a comunidade e que não pode ser travado.

Neste Dia Internacional da Mulher, que mensagem gostariam de passar?

Num mundo onde a desigualdade vigora e a violência faz milhões de vítimas, apelamos a um esforço coletivo para que, deste momento em diante, o que possa vir a ressoar no futuro sejam as conquistas e metas alcançadas em prol da igualdade de género, em particular das meninas e mulheres deslocadas à força pela guerra ou outras violações dos Direitos Humanos e cujas vidas estão em maior risco. Todos podemos fazer a nossa parte. Informando-nos, reclamando atenção para o tema, fazendo voluntariado, doando ou através da união a entidades como a Portugal com ACNUR.

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