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Os teares pelos quais se tecem marcas de moda

Uma ode às artes manuais tradicionais portuguesas.

Em nome da manutenção de um património cultural imaterial são vários os artesãos nacionais que têm abraçado colaborações com marcas da fileira moda. Preservar técnicas e saberes autóctones antigos e trazê-los agora junto de novos públicos é uma oportunidade para a manutenção, regeneração e até modernização que tradições seculares e sustentadoras de hábitos e patrimónios justamente reclamam e merecem.

Falar de Fernando Rei, residente em Aboim da Nóbrega (Vila Verde, Braga) é sinonimo de falar das mãos que criaram a mais recente tecelagem manual para a Gunta, aquele modelo de mala de mão must-have, nesta despedida, de verão da marca Ownever.

A marca, fundada por Eliana Barros, caracteriza-se por peças pensadas para “durarem uma vida e serem passadas de geração em geração”. Do trabalho com o artesão, nasceu uma mala feita totalmente em lã, com uma estrutura em couro vegetal (vegetable-tanned leather).

Mala Gunta, da Ownever ©Ownever

Mala Gunta, da Ownever
©Ownever

Em 2020, o mesmo artesão esteve por detrás da coleção de bailarinas Weaving Couture da marca de calçado Josefinas. Esta coleção era composta por cinco referências caracterizadas por uma tecelagem em fios de lã, algodão orgânico e linho.

Bailarinas Weaving Couture, da Josefinas ©Josefinas

Bailarinas Weaving Couture, da Josefinas
©Josefinas

No ano anterior, Fernando Rei participou na produção do modelo da mala Portugaba, da marca de luxo Louboutin.

Mala Portugaba, da Christian Louboutin ©Louboutin

Mala Portugaba, da Christian Louboutin
©Louboutin

Fernando Rei, que se “lançou ao tear” em 2015, após um percurso profissional distinto, é um dos poucos artesãos que ainda criam tecelagem tradicional portuguesa com métodos manuais.

A manta Alentejana, tecida nos teares da Fábrica Alentejana de Lanifícios, situada em Reguengos de Monsaraz, chega-nos de forma criativa e em jeito de casaco wishlist para este Inverno, no modelo Selenite, da marca Benedita Formosinho.

A marca, fundada pela jovem setubalense Benedita Formosinho, assenta em princípios de intemporalidade, moda sustentável e ética. O respeito e preferência pela produção local levam a jovem a desenvolver projetos com vários artesãos, destacando-se também a incorporação da fibra natural vegetal bunho em alguns dos acessórios que desenha e produz.

Pormenor de um candeeiro de teto, em bunho, na loja Benedita Formosinho, na Embaixada, Príncipe Real, Lisboa ©Benedita Formosinho

Pormenor de um candeeiro de teto, em bunho, na loja Benedita Formosinho, na Embaixada, Príncipe Real, Lisboa ©Benedita Formosinho

O cobertor de papa, característico da zona da Guarda, é hoje também exemplo do têxtil artesanal português, aplicado à moda. A versatilidade estende-se ao vestuário, aos acessórios e também aos artigos de decoração. Mas há poucos anos o cenário era menos promissor.

De fabrico totalmente manual, a partir de lã churra extraída à ovelha autóctone portuguesa de raça mondegueira, o cobertor de papa esteve ameaçado de extinção em consequência da perda do saber tradicional da tecelagem manual decorrente do envelhecimento generalizado da população e encerramento das fábricas onde era produzido no início do século XXI.

Depois desta crise (que afetou a região e levou ao encerramento de várias fábricas), Escola de Artes e Ofícios de Maçainhas, (pertencente ao Centro Social e Paroquial da localidade), decidiu assegurar a continuidade do cobertor de papa e pôs novamente os teares a trabalhar.

O cobertor, caracterizado pelo seu pêlo branco comprido com sete variedades, varia nas cores das listas e formas como losangos, tem cheiro característico, é pesado, quente e impermeável.

Depois de alguns anos a cair em desuso, o cobertor de papa tem vindo a renascer nos últimos anos, com um toque de modernidade aplicado a outras áreas. A exemplo disso, este produto têxtil ganhou destaque em peças produzidas por estilistas nacionais, nas seguintes coleções: 

Estelita Mendonça – Outono-Inverno de 16/17 e 17/18. Com uma mensagem claramente interventiva, o designer alertava a sociedade para a crise dos refugiados e do nomadismo a que estão vetados. Esta linguagem simbólica traduziu-se numa coleção pejada de capas largas, ao jeito de cobertores e sacos-cama, transparecendo essa ideia de que quem os veste está em constante movimento.

Desafiada pela autarquia da Guarda, Alexandra Moura produziu quatro peças originais feitas com este material, tendo sido apresentadas nos desfiles da sua coleção de Outono-Inverno 16/17.

Filipe Faísca também na sua coleção de Outono-Inverno 18/19, inspirada nos anos 80 de Portugal, criou várias peças marcantes, materializadas em grandes casacos feitos dos tradicionais cobertores de papa.

Também em parceria com o município da Guarda, Carlos Gil, residente no Fundão, apresentou carteiras, almofadas e pouffs feitos em cobertor de papa na coleção de Outono-Inverno 21/22, no desfile em Lisboa, em Março de 2021, tendo levado os mesmos à Expo Dubai, a qual foi inaugurada em Outubro do ano passado.

A herança e beleza dos desenhos Açorianos do Repasso, uma técnica de tecelagem tradicional da ilha Terceira, desenvolvida pela artesã Eduarda Vieira, utilizada para produzir colchas em lã virgem das ovelhas autóctones, entrou também na moda literalmente pelos pés da marca Marita Moreno.

A coleção denominada Azores resulta de um tecido artesanal baseado no Repasso. Feito com fio de cortiça e algodão inovador e altamente tecnológico, esta edição limitada do calçado Dali Longwing Pointy foi produzida em cortiça branca e tecelagem artesanal bicolor.

Pormenor do Dali Azores, com trama do Repasso, com fios de algodão e fios de cortiça, modelo da marca Marita Moreno ©Marita Moreno

Pormenor do Dali Azores, com trama do Repasso, com fios de algodão e fios de cortiça, modelo da marca Marita Moreno ©Marita Moreno

Está disponível em 2 modelos, com duas variantes de cores cada, sendo que foi este o modelo galardoado pela excelência em design e produção sustentável, com o German Design Award 2022. 

Modelo Dali Azores, galardoado com o German Design Award 2022 ©Marita Moreno

Modelo Dali Azores, galardoado com o German Design Award 2022 ©Marita Moreno

Quando um designer se une a um tecelão, dessa simbiose nasce uma parceria vencedora. Do lado da marca de moda, esta enobrece o seu produto, a sua oferta e o seu posicionamento perante um mercado internacional e um cliente cada vez mais sedento de transparência, rastreabilidade e storytelling, esse último fenómeno que aspiracionalmente transporta os clientes a estados mais puros e transcendentais de pertença mas, também, exclusividade. Para as artes da tecelagem, acontece a possibilidade de manutenção, de até modernização e reinvenção estética da aplicação da mesma, permitindo, em última análise, Inovação, num casamento entre o passado e o futuro, na celebração da criação presente.

Artigo de Opinião de Elsa Dionísio

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