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Nenhum Mercúrio está retrógrado, e agora?

Tenho a impressão que o Mercúrio, de tão retrógrado que parece estar sempre, tornou-se numa boa desculpa para muitos de nós que pretendem abrandar o ritmo da auto-determinação e antes decidir por a própria vida a andar de marcha à ré.

O “nosso” planeta mais próximo do Sol, Mercúrio, não está disponível, tente novamente mais tarde. Talvez já lhe tenha bastado ter dado o nome a sobrenomes de lendários astros musicais da nossa Terra; o comum dos mortais bem pode esperar (e desesperar).

No mundo da astrologia, o Mercúrio retrógrado tornou-se tão popular que deu origem a vários ‘memes’ pela internet, significando apenas que o planeta alterou a sua velocidade e que quando é observado da Terra parece que está a movimentar-se para trás.

Nos momentos em que o planeta está retrógrado, podemos, então, justificar o nosso dia menos bom. Quem sabe o nosso humor menos bom. E já agora (porque não?) a nossa vida de cocorococó.

Diz que este movimento, o do Mercúrio retrógrado, representa uma oportunidade para um momento de revisão relativamente aos temas que rege. E então? A minha pergunta para si hoje é esta: Assumirá a sua responsabilidade ou continuará a arranjar desculpas?  Culpar os planetas pelos aires e desaires da nossa vida funcionará até quando?

Esta parece-me uma das melhores desculpas modernas, e talvez a mais surpreendente, esta do infame “Mercúrio Retrógrado”. Sim, uma (boa) desculpa cósmica para os atrasados crónicos.

No entanto, se observarmos mais atentamente, veremos que o verdadeiro problema reside não nas estrelas distantes, mas nas escolhas e nas atitudes das pessoas que se mostram bem debaixo dos nossos narizes.

Se dá por si em constante período estacionário, sem que se as coisas fluam, consegue explorar – no âmbito das suas “viagens” – de que forma essa pequeno planeta distante se tornou o bode expiatório perfeito para evitar assumir responsabilidade pelas suas acções (ou inacções)?

No fim de contas, qual será a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?

Fossemos nós quem deveríamos ser e não haveria em nós a necessidade de ilusão”, disse Fernando Pessoa.

E é sobre isto que hoje lhe quero falar. Não sobre saborear a ilusão (assunto profundo, para outra ocasião), mas sobre não decidir – ou melhor, sobre a decisão de não fazer algo.

Acho que é uma das coisas às quais as pessoas prestam pouca atenção, esse custo da “não decisão”. Uma paciente minha, já na fase final da sua terapia, conversava comigo a respeito da aparente incapacidade que algumas pessoas têm em decidir e em mudar efectivamente algo para melhor nas suas vidas, apesar dos desconfortos e incómodos que lhes traga viver numa determinada situação, falando-me do caso concreto de uma pessoa sua amiga.

Achei muito interessante o caso porque me fez reflectir sobre como as pessoas conseguem conviver e racionalizar o “mau”, achando ou inconscientemente sentido que “arriscado” para elas é tentar algo diferente. Mas, bem sabemos que “risco” é continuar numa situação má, ainda mais por tanto tempo!

Algumas pessoas perguntam-se: “E se eu gastar o meu dinheiro na terapia e não acontecer nada?”, ao que eu sempre respondo: “Se continuar assim é o que já está a acontecer, ou seja, nada. Com isso você já sabe lidar… A questão é diferente: e se melhorar? Porque é que não considera isso como uma opção?”.

Com ou sem “Mercúrios retrógrados” para culpar, este é o meu ponto: porque é que continuar na trajectória negativa descendente é menos “arriscado”?

É quase como se a pessoa tivesse desistido. Nem sequer é acomodação – é largar-se mesmo. O ser humano tem essa coisa de se acomodar com situações más, passar a aceitá-las e achar que é normal. Mas não é.

Você deve conhecer pessoas assim, que a propósito de tudo na vida repetem: “mas para quê tentar, se não vai resultar? Invariavelmente, estas pessoas pensam no que pode piorar e não no que pode melhorar…

As pessoas acham que “risco” é tentar alguma coisa. Eu sempre achei que, quando as coisas não estão muito bem, risco é não tentar e ficar da maneira que está, normalmente, com tendência sempre para piorar. Uma das melhores definições de inteligência e hoje uma das mais aceites é: “a capacidade de se adaptar a novas situações”. Note que se fala em ADAPTAR e não em se ACOMODAR com novas situações.

Se as coisas mudam e a pessoa continua a fazer tudo igual, então, isso não é adaptação. É acomodação. O que acontece aqui é que você continua a fazer tudo igual, da maneira como sempre fez, da única forma que sabe fazer, mas os resultados não melhoram, pelo contrário, até vão piorando.

Quando assim é, geralmente, a pessoa tem duas opções: ou fazer mais força (para compensar) ou aceitar os resultados mais baixos como normais.

A que vai fazendo mais força vai até um certo ponto. Depois o ser humano não aguenta. O stress por muito tempo rebenta qualquer um(a).

É importante dizer-lhe que o ser humano diferencia-se dos outros animais não porque faz mais força, mas porque pode fazer uso de forma ágil das suas capacidades de inteligência e organização.

De uma forma mais prolongada, mais ou menos dolorida, ao mudar o ambiente de forma negativa, temos como consequência que a pessoa que não muda acaba por ter que trabalhar muito mais e, infelizmente, até a conviver com resultados maus. Ou… ela poderia adaptar-se, fazer algo diferente e não só estabilizar, como prosperar em vários aspectos da sua vida.

Note que não é uma questão de Mercúrio retrógrado ou Júpiter anterógrado (?). Ou sequer de Dharma ou “simples” Karma. Tampouco de sorte ou azar: o que, na verdade, está em questão é como lidar com a sorte ou com o azar.

As coisas acontecem e, na maior parte das vezes, nós não controlamos. Mas como nós reagimos ao que nos acontece é possível controlar. Aliás é a ÚNICA coisa que podemos controlar. Então, minha amiga, a vibe do “deixo a vida levar-me” pode andar a fazer por si o mesmo que o malfadado do Mercúrio, quando é cromo: vade retro!

Neste sentido, quando acontece a queda, a trajectória descendente negativa, outras coisas importantes derrocam junto com isso: a parte psicológica, a emocional, a física (peso, sono, qualidade de vida, stress, alimentação), os relacionamentos… pois ninguém consegue ficar normal numa situação destas por períodos prolongados.

Todos estes aspectos apenas para lhe recordar o tópico principal destas linhas, ou de novo, a opção de fazer algo diferente. De decidir. De clamar para si o poder da escolha. De tentar. Mas com um viés de busca de saída, não de reforço de correntes mentais.

Se eu tento algo novo (como um novo relacionamento, ou uma formação, ou uma psicoterapia, por exemplo) já a pensar que não vai dar certo, quando corre bem acho que foi “sorte”, quando corre mal digo: “Vês! Já sabia! Não adianta mesmo”…

 Ou seja, a pessoa vai para a busca não para achar algo novo, mas sim para reforçar o que já pensava. Vai para a busca tentando justificar a sua acomodação – uma espécie de proactividade focada no lamento, na lamúria e na justificativa.

Se, por outro lado, você tenta algo novo de forma aberta, se der certo, você diz: “Aprendi algo novo!”, e sabe que vai ter os benefícios disso pelo resto da sua vida.

Se der errado, você vai pensar; “Ok, isto aqui não funcionou. Vamos tentar o Plano B” (e se precisar, depois há o C, o D, o E… até finalmente acertar).

Inclusive, acredito muito que a vida vai-nos apresentando oportunidades e nós é que somos mais ou menos competentes em reconhecê-las. E mais: não só em reconhecê-las, mas em saber aproveitá-las de verdade.

Vamos chamar isso de “As 3 atitudes: A, B, C”.

A) Das pessoas cuja oportunidade se cruza na sua frente e a pessoa nem vê;

B) Das pessoas cuja oportunidade se cruza na sua frente, a pessoa vê e reconhece, mas não faz nada (com um monte de justificativas por trás.);

C) E das pessoas cuja oportunidade se cruza na sua frente, a pessoa vê, reconhece e faz alguma coisa.

Note que isto não tem sequer ainda a ver com a questão da competência, de fazer bem feito, etc.. Tudo isso pode ser importante, mas vem depois. Mas a verdade é que a pessoa que não faz nada já é, por definição, incompetente em aproveitar uma oportunidade.

Esse viés para a acção, a tendência de, na dúvida, pensar: “vamos testar, vamos experimentar, vamos fazer alguma coisa, vamo-nos mexer, vamos aprender algo novo e depois usar isso de maneira positiva e construtiva”, essa predisposição para agir, dizia eu, acho que é o grande, e talvez o único, verdadeiro diferencial que exista hoje, tanto na vida pessoal quanto profissional de qualquer pessoa.

Saturno atira-a(o) a este mundo, mas não lhe vai pegar pela mão nem fazer nada por si…

É preciso muita resiliência e persistência para aprender a conviver com o “vai e vem” dos acertos e erros normais do processo de novas aprendizagens do início de um ciclo de novas aquisições de saberes, competência, recursos, ferramentas, etc., mas, de novo: se for para ser resiliente e persistente, que seja na busca de algo melhor do que em aceitar passivamente o mau ou a mediocridade actual.

Se você tiver três pessoas idênticas e fizer com que a única diferença entre elas seja a atitude, qual das três você acha que, no final das contas, vai estar em situação melhor: A, B ou C? Eu voto (e vivo e defendo, e abraço e beijo e admiro!) C.

É uma escolha NOSSA, de cada um(a); não é o destino. Nem a porra do Mercúrio retrógrado. O destino quando muito apresenta-nos opções. Entretanto, a decisão de como lidar com essas opções e essas escolhas é nossa.

O destino não tem nada a ver com as suas decisões. Pare de terceirizar a sua responsabilidade pessoal dos seus resultados e das suas escolhas e, principalmente, das suas NÃO escolhas.

Na hora de decidir qualquer coisa, não pense só na relação custo/benefício, no tempo a investir ou nas consequências positivas ou negativas de fazer alguma coisa. Pense também nas consequências de NÃO AGIR. E dê às duas a importância que merecem.

Se a sua situação actual é conhecida, mesmo que seja má ou mediana ela passa a ser confortável. É má, mas é conhecida… Aí muita gente faz uma conta assim: “a situação é má, mas é conhecida, então não é tão má…” Acham que o mau lá por ser conhecido parece que melhora (???)…Vá lá a gente entender.

Aquele famoso “podia ser pior!”. (Sim, podia, e podia ser melhor também – não sei porque é que você acha que não merece!). Porque será que algumas pessoas só olham para baixo e não para cima?

Na hora de tomar decisões, por favor (por favooor!): lembre-se de calcular muito bem o custo da inactividade, da não decisão, do imobilismo.

Bem, resumindo o que tenho para lhe dizer hoje, gostaria apenas que retivesse o “sumo” natural destas ideias que estivemos aqui a espremer. Assim, tome aqui e agora o seu remediozinho do Mercúrio retrógrado:

  • Na sua vida, lembre-se sempre de perguntar se você está a dar às melhorias, aos resultados positivos, à busca de algo melhor o peso que eles merecem (se não der, a sua vida passa a tender à infelicidade);
  • Três doses de paciência (de manhã, tarde e noite) para com as amarras emocionais que o(a) puxam para trás, ao invés disso, beijinho no pescoço e carinho;
  • Pense um pouco sobre isto: é a busca da melhoria, e não da “pioria” que nos leva adiante;
  •  Mastigue bem as suas mágoas para melhor as conseguir digerir;
  • Menos tiktok e mais fogo no rabo;
  • Lembre-se também que a inteligência é adaptação a novos cenários e realidades e não acomodação a novos cenários e realidades. Evite cair em tretas e auto-confabulações;
  • Lembre-se ainda que, em cenários de mudanças, se você continua a fazer sempre tudo igual, os seus resultados começam a cair. Você pode tentar compensar isso fazendo mais, fazendo mais força, mas tudo isso tem um limite natural, e esse limite logo acabará por se esgotar;
  • E lembre-se, lembre-se, lembre-se que existem opções e oportunidades abertas à sua frente. A responsabilidade é sua. Não é do Mercúrio retrógrado. Muito menos do destino. O destino apenas coloca na nossa frente, mas somos nós que decidimos se fazemos algo ou não;
  • Se optar por decidir e conseguir ser você mesmo(a) retrógrado para consigo, resguarde o tempo para atrasar-se na vida com calma, parcimónia e apoteose;
  • Não há “sorte” ou “azar”. Nós é que criamos a nossa sorte ou azar pela maneira como lidamos com a nossa “sorte” ou com o nosso “azar”.

Seja a comprar um bilhete do Jackpot do Euromilhões, seja a fazer um curso, seja a aceitar uma proposta, seja a fazer uma chamada telefónica, seja a falar com mais uma pessoa, seja a ler mais um livro ou artigo, seja a assistir a mais um vídeo. Aonde está a pérola?

A pérola não lhe vai cair no colo – mergulhe e vá atrás dela. Culpar o movimento retrógrado de um planeta pelos nossos próprios atrasos é, no mínimo, uma fuga covarde da realidade.

A ironia é que, ao aderir a essa desculpa astrológica, estamos a abdicar da nossa capacidade de influenciar o nosso próprio destino. Tornamo-nos marionetes das forças cósmicas, em vez de sermos os mestres das nossas próprias vidas. O “Mercúrio Retrógrado” torna-se uma desculpa conveniente para não agir, para evitar enfrentar os nossos medos e para apegar-nos à zona de (des)conforto.

É hora de assumir o controlo de nossas vidas e enfrentar os desafios com bravura. Deixe de lado as desculpas planetárias e abrace a verdadeira força que reside dentro de si. Afinal, a vida é acima de tudo ditada pelas escolhas que fazemos a cada dia e pela coragem que demonstramos.

No fim do dia, no fim da vida, esta é a verdade: toda a decisão tem um custo. Toda a não-decisão também.

Sara Ferreira

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